terça-feira, 20 de abril de 2010

88) Quem está na chuva é para se molhar: o abril vermelho.

Diz um velho dito que quem está na chuva é para se molhar. Pois bem: não acompanhei a questão a fundo, porém me parece que o MST quer se meter na chuva; sem, no entanto, ter de se molhar. O movimento promete um abril vermelho com o aumento de ações mais ostensivas na luta pela reforma agrária, sobretudo invasões, creio, evidentemente, poder dizer. Estas são medidas que atentam contra o atual regime jurídico nacional, estando em desacordo com as disposições legais instituídas - em que argumento repousa a defesa de sua não criminalização se isso fere a lei? Não abordarei os aspectos relativos a ser justa a lei. O fato é que existe uma norma legal a ser contrariada, o que se considera crime. Independente de ser-se favorável ou não a tais ações tem de considerar-se dois pontos. O primeiro é que o MST não pode esperar que ante os tumultos já anunciados, a insegurança não tome lugar junto aos proprietários rurais e que estes não se munam de armas de maneira a dissuadir qualquer tentativa de invasão de suas terras; o segundo que o Estado não pode ficar impassível ante a anunciados tumultos no campo e deve coibir qualquer ação mais extremada de qualquer agente. O MST flerta com o perigo ao seguir um modelo de luta que antes de levar a soluções, pode criar uma série de problemas e há muito se mostra desgastado.

Abaixo, o texto em que o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra apresenta os objetivos de sua jornada.

Vinícius Portella

Porto Alegre,
20 0220 abr 2010.


O que queremos do governo na nossa jornada
19 de abril de 2010


O QUE QUEREMOS NA NOSSA JORNADA

ABRIL É MÊS DE LUTA pela Reforma Agrária, quando a sua bandeira é fincada nos latifúndios e tremula nas ruas das cidades.

Um projeto que tem necessariamente que resolver dois problemas históricos, que emperram as transformações do Brasil: a estrutura agrária injusta (concentradora de terra, de riqueza e poder político), e o modelo de desenvolvimento (que sempre produziu monocultura para exportação).

Vamos trazer presente na nossa Jornada que a Reforma Agrária é um projeto de interesse de toda a sociedade, e não apenas uma disputa entre os pobres sem-terra despossuídos e os abastados latifundiários.

Se do ponto de vista do desenvolvimento capitalista a Reforma Agrária foi descartada, para nós, Sem Terra, ela continua indispensável.

Abril também é mês de apresentar propostas para o Estado. Em sintonia, temos que aproveitar a força das lutas para negociar com bancos, prefeitos, governos estaduais e federal, superintendências do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nos estados e em Brasília.

São as conquistas econômicas concretas e conquistas políticas que fazem avançar a luta pela Reforma Agrária.

Vamos retomar os pontos de pauta de agosto do ano passado, quando realizamos marchas, lutas e montamos o Acampamento Nacional em Brasília. O conjunto do governo se comprometeu publicamente em cumprir com o acordado. Confiantes no acordo, desmobilizamos o Acampamento. Temos, agora, que retomar os pontos pendentes:

1. Atualização dos índices de produtividade

Lembrar o governo da dívida e do compromisso assumido publicamente nas negociações de agosto. O compromisso era fazer a atualização até o final do ano passado. Vamos cobrar o governo para que o compromisso seja cumprido.

2. Orçamento do Incra para a Reforma Agrária

O governo prometeu complementar o orçamento de 2009 em R$ 380 milhões para desapropriação de terras. Além de o governo não cumprir, deixou de aplicar R$ 190 milhões de um pacote de áreas que já estavam encaminhadas para imissão de posse, no final de dezembro.

Vamos reivindicar que o governo encaminhe com urgência ao Congresso um projeto de lei para o suplemento orçamentário para obtenção de terras neste ano.

Como não foi feito, o orçamento de 2010 foi reduzido para apenas R$ 480 milhões e está comprometido com áreas desapropriadas no ano passado. Portanto, para que o Incra possa responder a uma meta mínima, necessita de um suplemento orçamentário de pelo menos R$ 1,3 bilhões.

3. Assentamento das famílias acampadas do MST

Apesar das tentativas da burguesia de criminalizar a nossa luta, ainda temos mais de 90 mil famílias acampadas. O governo assumiu em 2003 o compromisso de assentar todas as famílias acampadas. Isso é prioritário. Aí está a essência do enfrentamento ao latifúndio. As nossas propostas são as seguintes:

a) Priorizar desapropriações de terras para o assentamento de todas as famílias acampadas do MST, conforme as negociações de agosto. Das 8 mil famílias novas assentadas em 2009, o nosso Movimento praticamente não foi contemplado. Aliás, esse número explicita claramente a falta de prioridade do governo.

b) Garantir recursos para as superintendências nos estados planejarem metas de vistoria e avaliações de imóveis para desapropriações, além de condições para manter as equipes técnicas em campo.

c) Priorizar o assentamento de novas famílias nas regiões de maiores conflitos e de maior mobilização, onde se concentram as famílias acampadas.

4. Crédito para Implantação

Mesmo com avanços importantes em função das mobilizações nacionais, principalmente com os chamados Créditos de Instalação (fomento, apoio mulher, habitação e semiárido), as dificuldades atuais estão na aplicação dos recursos.

A maioria dos servidores do Incra tem engessado o processo de aplicação dos créditos, que tem também aumentado consideravelmente os custos e a necessidade de funcionários. Esses servidores públicos poderiam atuar em outras atividades, ampliando consideravelmente a capacidade de operação.

Vamos fazer duas propostas: a edição de uma portaria para desburocratizar a aplicação desses créditos, garantindo mais rapidez e agilidade; e o estabelecimento da unificação dos procedimentos operacionais e repasse para as superintendências.

No caso do fomento de apoio às mulheres assentadas, o crédito foi regulamentado e, desde 2000, todas têm esse direito garantido. No entanto, a maiorias das secretarias regionais do Incra não aplicaram nenhum crédito dessa modalidade.

5. Crédito de investimentos e custeio

Infelizmente, as nossas propostas de criação de uma modalidade de crédito de investimento que se adaptasse à realidade dos assentamentos não foram atendidas.

O governo mantém os assentados na linha “A” do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que é insuficiente, não atende às necessidades e criou uma geração de inadimplentes. Até agora, a opção do governo tem sido apenas fazer ajustes.

É necessário continuar a pressão para que os assentados tenham uma linha de crédito específica. No entanto, vamos construir uma alternativa de negociação, propondo perdão ou anistia a todas as dívidas dos assentamentos, para que as famílias possam acessar novo crédito.

Vamos cobrar também a regulamentação do Programa de Assistência Técnica e do Pronera, além de outros pontos específicos. A partir dessa Jornada, devemos nos preparar para apresentar propostas para mobilizar o conjunto da sociedade para, num futuro bem próximo, garantirmos a realização da Reforma Agrária, como determina a Constituição.

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