sábado, 10 de abril de 2010

78) Entrevista: Leônidas Pires Gonçalves - 25 anos do fim do regime militar.


Abaixo, a entrevista de Leônidas Pires Gonçalves a Geneton Moraes Neto veículada pelo programa DOSSIÊ GLOBONEWS por ocasião dos 25 anos de término do regime militar no Brasil. O general tem posições fortes que tanto flertam com irracionalismos quanto bem expressam a opinião de determinada parcela dos militares que viveram aquela época; sem, no entanto representar o pensamento de todos os militares envolvidos no período, visto o fato de o pensamento militar não poder ser tomado como algo monolítico.


Vinícius Portella

Porto Alegre,
10 1641 abr 2010.

CONFIRMADO : EXÉRCITO DEU DINHEIRO A PRESO POLÍTICO EM TROCA DE INFORMAÇÃO ESTRATÉGICA SOBRE PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL

Postado por Geneton Moraes Neto em 03 de abril de 2010 às 20:53

                                                           O Exército pagou, em dinheiro, a um dirigente do Partido Comunista do Brasil,o PC Do B, em troca de informações sobre onde se realizaria uma reunião em que os dirigentes discutiriam a Guerrilha do Araguaia. O PC do B atuava na clandestinidade durante o regime militar.  
                                                 O que era até hoje tido como uma suposição foi confirmado pelo general que autorizou pessoalmente o pagamento.  “A ideia foi minha” – disse o general Leônidas Pires Gonçalves – que chefiou o DOI-CODI do I Exército no Rio de Janeiro entre março de 1974 e janeiro de 1977.  A declaração do general foi feita em entrevista a este repórter, levada ao ar pela Globonews , no programa DOSSIÊ GLOBONEWS.
                                                  (Aqui, o vídeo completo : http://globonews.globo.com/Jornalismo/GN/0,,MUL1556374-17665-337,00.html )
                                                 Repassadas ao II Exército, em São Paulo, as informações obtidas pelo I Exército, no Rio, resultaram na invasão da casa  onde estava reunido o Comitê Central do PC do B, na rua Pio XI, 767, no bairro da Lapa, em São Paulo, no dia 16 de dezembro de 1976, uma quinta-feira. Três dirigentes morreram na operação – que ficou conhecida como “Massacre da Lapa” :  Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Baptista Franco Drummond.
                                              Durante a entrevista, em que levantou a voz e se exaltou algumas vezes, o  general Leônidas Pires – que ocupou o posto de ministro do Exército durante o governo Sarney  – chamou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso  de “fugitivo”, palavra que ele usa para se referir a todos os que saíram do Brasil durante o regime militar.   
                                          As palavras do general são um documento porque retratam o que um militar de alta patente tem a dizer sobre um período conturbado da história recente do Brasil.
                                                Trechos da entrevista, gravada a propósito dos 25 anos do fim do regime militar:
                                                O senhor foi chefe do temido DOI-CODI do I Exército durante dois anos e dez meses. O senhor sabia da existência de tortura a presos políticos ? 
                                                Leônidas Pires: “Nunca houve tortura a preso político na minha área. Desafio alguém que tenha sido torturado durante este período ( N: o general chefiou o DOI-CODI durante o período em que foi chefe do Estado Maior do I Exército,  entre março de 1974 e janeiro de 1977).  Está feito o desafio! A história de tortura…Você vai me perguntar se existiu. Costumo dizer: a miserável condição humana leva a isso.  Mas, com medo da falada tortura, eles eram grandes delatores. Grande delatores. Um do Comitê Central ( do PC do B) delatou toda a turma para o meu esquema de segurança no Rio de Janeiro”. 
                                                           O que o senhor diz é uma acusação grave:  pagou a um integrante do comitê central do Partido Comunista para delatar seus companheiros. Quem pagou ? O senhor ?   
                                                      “Não: a organização. Nunca me contactei pessoalmente com nenhum subversivo. Não era minha missão. Minha missão era dirigir o órgão que faz isso”.  
                                                        De quem foi a ideia de pagar ?  
                                                         “A ideia foi minha! Fui adido militar na Colômbia (N: de julho de 1964 a novembro de 1966). Aprendi que,lá, eles compravam todos os subversivos com dinheiro. Quando propus ao DOI-CODI me disseram: “Não, mas general….”.  Mas ele foi preso e mostrou o dia em que haveria a reunião em São Paulo numa casa na Lapa. Deu o dia e a hora, por 150 mil, entregues à filha dele,em Porto Alegre”.   (O general não cita o nome do dirigente, mas  o livro “Combate nas Trevas”, lançado ainda nos anos oitenta pelo historiador e ex-militante comunista Jacob Gorender, registra que a colaboração de um integrante do PC do B  com o Exército “deu à reunião um final de catástrofe”).  
                                                                      Houve outros casos em que o DOI-CODI pagou a prisioneiros em troca de informação ?  
                                                                     “Estou falando de um DOI-CODI, o meu, no Rio de Janeiro: de 1974 a 1977” 
                                                            O único caso foi este ? 
                                                            “No meu, sim…” 
                                                             O senhor faz uma acusação que é de extrema gravidade. Um integrante do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil teria recebido dinheiro para dar informações ao Exército… 
                                                             “Deu, por 150 mil ( N: a moeda, na época, era o cruzeiro).  Mandei entregar!  Quando digo “eu”, a gente fala funcionalmente. Como disse: nunca falei com um subversivo”. 
                                                               O dinheiro que foi entregue a este integrante do Comitê Central do Partido Comunista em troca de informações, segundo o senhor diz, saía como do I Exército ?  Existia uma “caixinha” ? 
                                                          “Que caixinha nada! Um serviço de informações tem verba oficial para cumprir a missão”.
                                                             Mas as informações que ele passou, segundo o senhor diz, em troca de dinheiro, resultaram em mortes….
                                                               “Resultaram. Claro. Resultaram. Porque ninguém se entregou quando chegamos lá. Nós, não.O caso foi entregue a São Paulo. Temos áreas delimitadas de operação.  São Paulo chegou lá e deu ordem de prisão. Foram recebidos a bala. E quem começa a guerra não pode lamentar a morte. É duro de ouvir? É duro de ouvir ? Quem começa a guerra não pode lamentar a morte. Nós não começamos guerra nenhuma. A bomba no Aeroporto dos Guararapes foi o primeiro sangue que correu no Brasil. Confirmou-se que a bomba foi feita pelo pessoal da AP ( N: uma bomba explodiu no saguão do Aeroporto dos Guararapes, no Recife, no dia 25 de julho de 1966. Um almirante e um jornalista morreram na hora. O atentado foi cometido por dois militantes da AP, a Ação Popular).  Guerra é guerra. Guerra não tem nada de bonito – só a vitória. E nós tivemos. A vitória foi nossa. Porque esta país caiu na democracia que nós queríamos”. 
                                                               Que orientação o senhor dava aos seus comandados no I Exército ?
                                                                   “Eu disse assim:  “A missão que estamos fazendo é para exercer com nobreza. Nós estamos aqui para defender os interesses do Brasil! Não estamos aqui para defender os interesses de ninguém nem pessoalmente!. Segundo: não somos bandidos! Somos soldados de luta! Por isso, dou a seguinte  orientação a vocês: se vocês entrarem num aparelho lutando, alguém levantar o braço e vocês atirarem num homem de braços abertos, vocês vão se ver comigo!  Porque nós não somos bandidos! Mas, se você está na luta e achar que o indivíduo deve morrer, atire pra matar! ”.  Eu dava esta orientação como estou dando a você agora aqui. Depois, dava instruções de comportamento individual na hora da confrontação. Era uma maneira simples:  para ficar ao alcance do soldado, é que fiz esta imagem: “Não cometam arbitrariedade : na hora de dar chocolate, não se dá tiro. E, na hora de dar tiro, não se dá chocolate!”.     
                                                                  Alguns dos seus comandados atirou para matar ?  
                                                                 “Tenho absoluta certeza de que, na luta, muitos morreram e muitos mataram. Mas na atitude de soldado! Porque o soldado é o cidadão de uniforme para o exercício cívico da violência. É no mundo inteiro, historicamente. Quer guardar a frase ?  Se você vai me perguntar se soldado mata, vou ter de achar graça…”. 
                                                                   O senhor chegou a chefiar o DOI-CODI no Rio durante o regime militar e foi o primeiro ministro do Exército depois da redemocratização. O senhor admite que a tortura é uma mancha na história recente das Forças Armadas no Brasil ?   
                                                                        “Eu acho que ela, lamentavelmente, ocorreu. Mas, para ser uma mancha, ela foi muito aumentada por nossos antagonistas para justificar algumas coisas que eles fizeram e achavam que tinham o direito de fazer. Hoje, todo mundo diz que foi torturado para receber a bolsa ditadura.  Não tem cabimento. Já gastamos dois bilhões e oitocentos milhões nisso. É essa a resposta que você quer ?”.  
                                                                          O senhor já chamou a cassação de mandatos e a suspensão de direitos políticos de medidas “altamente civilizadas”. Baseado em quê o senhor chama de civilizadas medidas que são obviamente uma violência política ?
                                                                “Porque elas são históricas. Cassação é a denominação nossa para o ostracismo na Grécia e do banimento em Roma. São civilizadas porque têm dois mil anos de atuação. Nós ainda fizemos de uma maneira mais doce do que faziam os romanos e os gregos, porque não afastamos as pessoas do lugar onde moravam. E eles afastavam”.
                                                         Mas os exilados foram obrigados a sair do Brasil… 
                                                          “Não se esqueça do seguinte: não tivemos exilados no Brasil.Tivemos fugitivos. Pode ser dura a minha palavra, mas não acho que tivemos exilados no Brasil. Não houve um decreto de exilar ninguém. Depois, os que fizeram algumas coisas e quiseram ir embora, nós os consideramos banidos. Quiseram ir embora para aqui, para lá, para acolá. Pegaram um avião e saíram por aí”. 
                                                             O senhor chama de “fugitivos” os exilados, alguns célebres, como Miguel Arraes, Leonel Brizola e Luís Carlos Prestes. Não é uma injustiça ?
                                                          “Não, não acho que seja injustiça. Porque a palavra exilado também não serve para eles. Exilado é alguém que recebe um documento do governo exigindo que se afaste. Tal documento nunca houve. Como é que você quer tachá-los,então ?  Dê uma sugestão! A minha sugestão é : fugitivos…”  
                                                              Historicamente são exilados….
                                                              “Que negócio é esse de historicamente ?”
                                                               O senhor também chamou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de fugitivo, entre outros exilados…
                                                               “Só ele não! Todos eles, inclusive ele! Todo mundo que foi embora sem ser expulso do Brasil considero fugitivo. Sem exceção. Fugitivos! O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e todos os outros são, para mim, fugitivos. Porque se eles tinham uma ideia – e esta ideia era confrontada  e fizeram alguma coisa que merecesse –  deveriam  enfrentar a justiça, porque seriam respeitados”
                                                               O governador Miguel Arraes, por exemplo, foi deposto, foi confinado na ilha de Fernando de Noronha e seguiu para o exílio… 
                                                               “Sim,mas foi embora porque quis !  Poderia ter voltado a Pernambuco e ter ficado em casa”. 
                                                              Deposto ? 
                                                             “Mas qual é o problema ?” 
                                                               Todo ! 
                                                                “Não é todo não! Que ele enfrentasse,como deposto, legalmente, as coisas. Faria o proselitismo – e não sairia correndo para o mundo. Assim aconteceu com os outros: saíram todos correndo. Ninguém quis ficar aqui. Alguns foram se preparar militarmente para fazer a confrontação. Onde ? Em Cuba, na Albânia, na Rússia..Quanto ao caso específico que você cita, o de Miguel Arraes: ele não foi fazer isso. Ele se deu muito bem fazendo seus negócios. É um homem de sucesso de negócios. Não acho. Você insiste nisso! Esquece que,para ser exilado, precisa ter um documento que provoque o exílio”.
                                                                 Mas,na prática, não havia condições para o exercício da política naquela época…
                                                                 “Fique,então, aguardando no país. Não precisa ir embora. Por que fugiu do Brasil? Com medo de outras sanções ?” 
                                                                    O senhor considera que o ex-governador era um fugitivo ou um perseguido pelo regime militar ? 
                                                                     “Primeiro, ele merecia as punições que recebeu, pelas atitudes que tomou….
                                                                   Não num regime democrático… 
                                                                     “…Mas a gente também se antecipa aos que querem fazer algo. O que é que ele queria fazer do Brasil ? Nós temos um grande orgulho de nosso faro! Depois, olhe o que aconteceu na Rússia, em todos os países de origem comunista, aquela mortandade. Vocês nos acusam, os da esquerda”…
                                                                    Não sou representante da esquerda… 
                                                                     “Você tem um laivozinho, tem um laivozinho…Vocês esquecem quantos milhões matou Stalin, quantos milhões matou o Khmer Vermelho, quantos mil matou Fidel Castro nessa ilha: dezessete mil. Outra coisa : exilado geralmente é o homem que sofre restrições. Os homens que foram para o Chile: eu bem que queria tirar o curso que eles tiraram lá. O senhor Fernando Henrique era professor universitário, coma vida muito bem organizada. Vivia sem nenhuma restrição financeira, só para dar um exemplo. Exilado é uma coisa. Quem vai voluntariamente – e gosto de chamar de fugitivo – é outra. Não faça confusão. A sua convicção sobre exilado precisa acabar!”  
                                                                           Mas não é convicção minha. É um fato histórico! 
                                                                             “Não é fato histórico não senhor! Fato histórico se houvesse uma lei fazendo o exílio. O fato histórico foi forçado pela mídia batendo no mesmo tambor: bam-bam-bam-bam-bam-bam….”
                                                                          Se não eram exilados, por que é que o governo militar promulgou uma Lei da Anistia permitindo que eles voltasssem ? Se não existiam exilados, para   que uma Lei da Anistia ?
                                                                        “Acontece o seguinte: eles estavam assustados. Nós dissemos para eles: podem vir, não há perigo nenhum. Mais do que fugitivos, eram assustados. Sempre pergunto: alguma coisa tinham feito para ir embora!”.

2 comentários:

  1. Leonidas não tem moral nem autoridade para falar de alguém como MIGUEL ARRAES.Este sim um estadista.

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  2. Meu caro,

    Acho que Orwell tratou muito bem de explicar os mecanismos por que pensam certos dirigentes de aparatos "garantes da lei e da ordem" em regimes autoritários ou totalitários. Por 1984, vemos que não é uma questão de ter moral, mas de "duplipensar".

    Abraços.

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