quinta-feira, 18 de março de 2010

58) O Vespeiro Pequinês e as Estripulias do Camarada Bo no Império do Meio: tentativa de ascensão de uma nova estrela ao pavilhão vermelho.

Ascensão de líder local desafia PC chinês
Geoff Dyer, Financial Times
Valor Econômico, 16/03/2010 – pág. A12

Nova geração: Considerado populista, Bo Xilai ganha destaque que normalmente só é dado à cúpula do partido: apesar de não pertencer à cúpula do Partido Comunista, Bo Xilai foi a estrela da reunião anual do Legislativo chinês, que acabou domingo

No Congresso Nacional do Povo, que ocorreu nos últimos dez dias, um homem vinha dominando as discussões entre a elite reunida. Quando ele chegou 40 minutos atrasados para uma reunião no fim de semana, no Grande Salão do Povo, os espectadores foram atropelados pelo batalhão de jornalistas de TV que acompanhavam essa figura alta e fotogênica. Quem está provocando todo esse rebuliço, normalmente reservado aos astros do cinema, é Bo Xilai, o presidente do Partido Comunista na cidade de Chongqing, na China central.

Nos últimos seis meses, Bo está em uma cruzada que já lhe rendeu incontáveis manchetes de jornais e cutucou um ninho de vespas em Pequim. O governo de Chongqing vem realizando uma campanha geral contra o crime organizado que já levou a mais de 3 mil prisões - incluindo a de um juiz importante - e desencadeou clamores por medidas parecidas em todo o país. Bo também vem encorajando uma onda de nostalgia pela era Mao, que muitos percebem como menos corrupta. Os usuários de telefones móveis da cidade sempre recebem "mensagens de texto vermelhas", com frases famosas do Grande Líder.

A campanha de Bo está rompendo os laços que existem entre os funcionários locais do Partido Comunista e a crescente cultura de gângsters. Mas seu impacto está indo bem além das províncias. Para começar, indica que a batalha pela sucessão na liderança do partido em 2012 - potencialmente um período turbulento, quando 7 dos 9 membros serão substituídos - está ganhando velocidade. Se o governador de um Estado americano lançasse uma agenda que chamasse tanta atenção, a suposição seria de que ele estaria concorrendo à Presidência - e é exatamente isso que Bo Xilai está fazendo.

"Ele está tentando abrir caminho até Pequim", diz Huang Jing, professor da Universidade Nacional de Cingapura, sobre o ex-ministro do Comércio. "É uma aposta arriscada mas bem calculada para entrar na 'liderança da quinta geração' [pós-2012]."

As batalhas públicas de Bo também poderão mudar a maneira como a política é praticada num sistema dominado por acordos de bastidores e decisões consensuais. O presidente Hu Jintao exemplifica um certo tipo de político - competente, sério e habilidoso no trato com a burocracia interna do partido. Ao apelar para o apoio popular e relegar a elite política, o carismático e midiático homem de Chongqing está entrando num território novo - pode chamar isso de populismo com características chinesas.

"Ele é um dos novos políticos populistas chineses, que são mais acessíveis", afirma David Shambaugh, professor da Universidade George Washington, baseado em Pequim.

A popularidade de Bo pode marcar uma mudança no comportamento da próxima geração de líderes chineses, tanto em casa como fora do país, com uma maneira mais aberta e menos rígida, mas também potencialmente mais errática e, segundo temem alguns, nacionalista.

Há tempos Bo, hoje com 60 anos, é uma estrela política em ascensão. Filho do herói revolucionário Bo Yibo, ele cresceu em Pequim e a vida inteira esteve no Partido Comunista ou ocupando cargos no governo. Ele se tornou conhecido na década de 1990 como prefeito da cidade de Dalian, e depois como governador da Província de Liaoning, ambas no nordeste do país, antes de se mudar para Pequim para comandar o Ministério do Comércio em 2004, quando teve várias negociações tensas com Peter Mandelson, então comissário do Comércio da União Europeia. Ao promover agressivamente projetos de modernização urbana no nordeste, ele chamou a atenção daqueles que defendem a reforma econômica, mas suas campanhas contra a corrupção também estão lhe rendendo o apoio de grupos mais conservadores.

Entretanto, no congresso do Partido Comunista de 2007, ele viu dois membros de sua geração serem promovidos para o Comitê Permanente da cúpula do partido, formado por nove membros: Xi Jinping, que deverá assumir o lugar de Hu Jintao em 2012-13; e Li Keqiang, que deverá se tornar primeiro-ministro. Bo foi nomeado secretário do Partido Comunista da municipalidade de Chongqing, que vem crescendo em ritmo acelerado - tecnicamente é uma promoção, mas, aos olhos de alguns, é um passo para o lado.

Ele vem fazendo de tudo para que a cidade não se transforme em uma pasmaceira política. No verão passado, as primeiras prisões foram feitas em uma operação que recebeu o nome de "tornado anti-Tríade". A população acompanhou com atenção os detalhes sobre os gângsters da cidade. Uma das prisões de maior repercussão foi a de Xie Caiping, conhecida como "a madrinha do submundo de Chongqing", por causa de sua rede de cassinos (um deles ficava do outro lado da rua onde fica o prédio da Suprema Corte).

Rapidamente as prisões começaram a expor os tentáculos do crime organizado. Wang Li, um professor de direito da Universidade de Chongqing que escreveu um livro sobre gângsters, diz que o crime organizado começou a se ampliar depois de 2000, quando a economia chinesa começou a explodir. "Eles começaram a entrar em negócios legítimos como o mercado imobiliário, ameaçando outros interessados em leilões de terrenos para que não aumentassem seus lances", diz ele.

Os julgamentos também revelaram até onde vão os laços dos gângsters com o governo local, especialmente com a prisão de Wen Qiang, um ex-delegado de política e presidente do bureau de justiça da cidade, que é cunhado de Xie. O mais graduado dos mais de 50 funcionários do governo presos, ele está sendo acusado de aceitar 16 milhões de yuans (US$ 2,3 milhões) em propinas, além de estuprar uma estudante. Algumas das propinas ele recebeu de membros do governo que tentavam conseguir promoções.

Mais abrangente que outros esforços anticorrupção, esse vem sendo conduzido em público - tendo sempre Bo, formado em jornalismo, como "líder de torcida". As Tríades estão retalhando pessoas como açougueiros retalham animais", disse ele a jornalistas no ano passado.

Além disso, a campanha vem sendo acompanhada por uma revitalização dos símbolos da era Mao. E isso não envolve apenas as citações de Mao. Nas reuniões do partido, diante das câmeras de TV, ele gosta de liderar os membros em execuções de canções revolucionárias. No novo campus universitário da cidade, uma estátua de 20 metrosde altura do Grande Timoneiro se eleva acima das salas de aula e dos alojamentos que a rodeiam.

Bo não é o primeiro político a criar uma personadessas, tão amigável à mídia - o primeiro-ministro, Wen Jiabao, por exemplo, usou aparições na TV para organizar o esforço de socorro depois do terremoto de Sichuan em 2008, e às vezes se chama de Avô Wen, quando está em meio às pessoas comuns. Mas, numa era em que o Partido Comunistabusca uma nova cola ideológica para substituir as velhas realidades marxistas, Bo abraçou o manual do populismo com maior entusiasmo que qualquer outro.

"Ele está mostrando que qualquer que queira ser bem-sucedido precisa aprender como se destacar na mídia - esse é o atalho para a fama e o poder", afirma Bo Zhiyue, um acadêmico da Universidade Nacional de Cingapura. "Mas, no contexto chinês, você precisa conseguir um equilíbrio delicado entre querer fazer as coisas e certificar-se de que não vai alienar muitos amigos em Pequim."

Certamente a campanha anticorrupção de Chongqing embaraçou partes da elite política. He Guoqiang, um membro do Comitê Permanente, é um ex-presidente do Partido Comunista em Chongqing; assim como Wang Yang, hoje encarregado da Província de Guangdong e outro astro em ascensão que tem boa relação com a mídia e ambiciona um cargo mais graduado em 2012. Ambos agora enfrentam perguntas sobre como deixaram o crime organizado prosperar.

Isso também vem criando problemas para o presidente Hu, que está ciente do efeito corrosivo que a corrupção pode ter sobre a legitimidade do partido. Espalham-se pelo país clamores por medidas de combate ao crime organizado e seus políticos aliados, ao estilo de Chongqing. A campanha não só fez os esforços anticorrupção de Pequim parecerem inócuos, como as revelações no julgamento de Wen Qiang de que promoções dentro do partido são compradas e vendidas criaram uma pressão popular ainda maior por medidas moralizadoras. O veredito no caso de Wen ainda não foi anunciado.

Segundo Liang Jing, o pseudônimo usado por um comentarista político, "Bo Xilai transformou uma crise no governo local, que levou anos para se formar, em uma crise de opinião pública e política que é muito desfavorável para Hu".

Mesmo assim, não é apenas a elite política que está em alerta por causa da cruzada de Bo. Ele também vem preocupando defensores da reforma política que veem seu estilo como um passo atrás. Os críticos afirmam que sua tumultuada "campanha de massa" lembra a Revolução Cultural, e apontam para o surgimento de um culto à personalidade. (Um sucesso recente a circular na internet na China é uma música sobre Bo com letras que dizem: "Seus olhos são como um par de espadas cintilando na luz fria. Você permanece firme diante do mal. Os corruptos tremem à simples menção de seu nome".)

Lian Yue, um blogueiro conhecido, comentou: "Ver como é fácil para Chongqing lançar uma revolução cultural em pequena escala é uma tragédia para todo o povo chinês".

Esses temores aumentaram com a prisão de Li Zhuang, um advogado que representava um dos gângsters de Chongqing. Após o acusado ter declarado no tribunal que foi torturado pela polícia, Li foi acusado de encorajar seu cliente a mentir. Li, que inicialmente confessou, mas depois retirou a confissão, foi sentenciado a 18 meses de cadeia.

Embora Li seja uma figura controvertida nos círculos legais chineses, sua condenação deixou advogados apavorados. Segundo Mo Shaoping, o mais destacado advogado chinês especializado em direitos humanos: "Esse caso é um golpe devastador para todos os advogados. É um caso clássico em que a política substitui as leis e as regras".

Alguns observadores temem que o populismo de Bo possa estar mostrando o rumo que os futuros líderes chineses poderão tomar se a economia enfraquecer. "A tentação de se aproveitar do ressentimento e do nacionalismo será grande dessa maneira", afirma Huang Jing. "Seria muito perigoso se isso acontecesse, tanto para a China quanto para o resto do mundo."

Por todas essas razões, o destino político de Bo será observado atentamente. O professor Bo (sem parentesco) acredita que a popularidade de Bo Xilai é hoje tão grande que se a próxima liderança fosse decidida pelo voto dos 3 mil delegados do Congresso Nacional do Povo, ele seria escolhido presidente. "Da mesma maneira que em 2008 todo mundo estava falando de Obama, na China todo mundo está falando de Bo Xilai", diz ele. Essas decisões ainda são tomadas por um pequeno grupo de elite, mas outros analistas políticos acreditam que Bo tem uma boa chance de conseguir uma posição no Comitê Permanente, talvez no Ministério da Segurança.

Mesmo assim, Bo também fez muitos inimigos entre os políticos mais graduados, que não gostam de seu perfil midiático e o acusam de arrogância. Uma nova liderança só será escolhida daqui mais de dois anos, e os rivais ainda poderão atacar vazando histórias comprometedoras sobre ele ou sua família.

Há sinais de que Bo está ciente dos perigos. Artigos de jornais recentes sugerem que a campanha contra os criminosos de Chongqing está perdendo força. Em uma entrevista concedidas a jornalistas recentemente, ele ficou irritado quando lhe perguntaram sobre suas ambições políticas. "Estamos aqui para discutir o relatório sobre o trabalhodo governo entregue pelo primeiro-ministro Wen Jiabao", disse ele. A pergunta foi então apagada da transcrição online do "Diário do Povo". Na China, o populismo tem seus limites.

Corrida por cargos na sucessão de 2012 vai a pleno vapor
Financial Times, 16/03/2010

Ao que parece, a nova liderança da China foi acertada em um congresso do Partido Comunista em 2007. Os membros mais graduados do partido decidiram que em 2012-13, Xi Jinping vai assumir as funções de presidente do partido e a Presidência do país, atualmente ocupada por Hu Jintao; Li Keqiang de ser o próximo premiê.

Embora haja algumas dúvidas sobre o processo desde então - Xi não conseguiu uma esperada promoção no último outono chinês para a comissão que cuida dos militares -, a maior parte dos analistas acredita que a sucessão está nos trilhos.

Mas mesmo assim ainda há muito pelo que jogar. Com pouca transparência ou procedimentos estabelecidos, essas decisões de cúpula não são todas tomadas antes do último minuto. Mais importante é que a sucessão diz muito mais respeito que apenas os dois maiores cargos. Na hierarquia do Partido Comunista Chinês, o primeiro-ministro Wen Jiabao é na verdade o número três.

Desde a morte de Mao Tsé-tung, em 1976, o partido vem tentando evitar ter uma figura dominante; as decisões mais importantes agora são tomadas por uma liderança coletiva. Acredita-se que o presidente Hu goza de certos poderes de veto e convocação e cancelamento de reuniões. Mas analistas afirmam que, por exemplo, a decisão de valorizar a moeda ou lançar um grande pacote de estímulo econômico é tomada pelos nove membros do Comitê Permanente do Partido Comunista. Assim, ser um membro do Comitê Permanente é uma posição muito mais influente do que estar no gabinete ministerial do governo dos EUA.

Na transição de 2012-13, entre 5 e 7 membros do comitê deverão se aposentar, o que significa que um grande número de funções importantes estará disponível. Os analistas acreditam que é justamente para uma dessas funções que Bo Xilai está se posicionando.

Alguns observadores acreditam que a corrida sucessória já está sendo sentida na vida política chinesa. E pode ser por isso que Pequim recentemente vem adotando uma posição diplomática mais afirmativa e, com os políticos temendo serem taxados de frouxos, concedendo sentenças mais duras a dissidentes.

"A sucessão pode ser um dos motivos pelos quais a situação está mais dura nos últimos meses", diz David Shambaugh, professor da Universidade George Washington. "Quando há incertezas, há também uma tendência de aversão aos riscos e um maior conservadorismo.
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