quarta-feira, 17 de março de 2010

52) O que diriam Eugênio Gudin e Simon Schwartzman àqueles contrários ao Parque Tecnológico da UFRGS?

Houve na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no dia 5 do corrente mês, um protesto que levou muitos militantes do movimento estudantil, de movimentos sociais, à reitoria desta universidade. Pressionado, o reitor comprometeu-se em adiar a votação do Projeto de Parque Tecnológico por 30 dias e organizar audiências públicas para que a comunidade universitária e a sociedade pudessem conhecer e debater a criação do Parque, como informa o Grupo de Trabalho Universidade Pública (GTUP). Informação idêntica foi publicada no Observatório do Parque Tecnológico


Grosso modo, veem o presente projeto como uma maneira de privatização do conhecimento gerado na universidade, o qual, ainda segundo sua opinião, é público e não deve servir a empressas privadas que agem somente em função de seu lucro e que não têm compromissos com o bem-estar da sociedade.

No entanto, isto serve mais para mostrar quais são suas concepções ideológicas do que para embasar um argumento sólido contrário ao parque. Parece-me, no entanto, que faltam análises do projeto que levem em conta seus aspectos administrativo, de eficácia, de eficiência, etc para que então uma avaliação bem fundada seja feita e, assim, melhorias sejam encaminhadas ou se adote um projeto alternativo.

Não tenho visto nenhuma defesa do parque que não estivesse no mesmo nível dos ataques a ele, todavia - não especificamente sobre este projeto e fornecendo um bom material para nossa reflexão - Simon Schwartzman em entrevista à Veja e à Fapesp Pesquisa, com base em seus estudos, defende que a universidade pública deve buscar financiamento privado também, em desacordo com o defendido pelos manifestantes.


Parece-me que velhas ideias animam tais contestações e guardam grande afinidade com um debate há muito ido. No debate entre socialistas e capitalistas, insere-se o texto de Eugênio Gudin que, a despeito de qualquer defasagem temporal e de seus possíveis pontos fracos, serve ao menos para refutar críticas mais simplistas e simplórias à economia de mercado que estão na base dos ataques à "privatização da UFRGS".

Vinícius Portella

Porto Alegre,
17 1849 mar 2010
.......................................
O social-capitalismo
Eugênio Gudin
O Globo, 10/4/72

Falando por ocasião do jantar comemorativo da Revista do Jornal do Brasil, referiu-se o Ministro Delfim Neto ao regime econômico predominante no Brasil em termos muito felizes dizendo:


"O que está acontecendo realmente com o Brasil é que ele finalmente perdeu a vergonha (podia alternativamente ter dito perdeu a covardia) de ser um país capitalista. A partir do momento em que o país passou a assumir essa condição, as coisas começaram a marchar muito mais naturalmente e melhor"


É que, por um misto de ignorância e de covardia, a palavra capitalismo passou a ter uma conotação sinonímica de regime retrógrado, desumano, perverso. Não se indagava da origem da expressão nem de seu significado original. A expressão capitalismo foi impropriamente cunhada por Marx, seu maior inimigo. Como se no regime que tem esse nome o fator capital fosse o elemento predominante, quando, como sabe qualquer economista, o rendimento oriundo do trabalho entra por cerca de 65% no produto e o capital por cerca de 10%. Mais ainda, o capitalismo que Marx invectivava era muitíssimo diverso do que hoje se entende pelo mesmo nome. Era de fato um regime desumano em que o proletariado era quase escravo, em que mulheres e crianças trabalhavam 10 e mais horas por dia, em que não havia sombra de legislação social nem imposto de renda apreciável. Hoje ninguém, por mais direita que seja, deixará de abominar semelhante regime.


O capitalismo de hoje, com suas classes operárias organizadas, dignificadas e participantes, é coisa inteiramente diferente. É o que poderia chamar de social-capitalismo.
As previsões de Marx, que eram simples extrapolações do que acontecia no seu tempo, foram inteiramente desmentidas. Em vez do empobrecimento das massas nos países capitalistas, verificou-se uma melhoria de padrão de vida, sem paralelo na história. Por isso é que na Conferência Internacional de Brissago, em 1961, eu tive ocasião de dizer ao professor soviético que dela participava, que eu só conhecia uma ditadura do proletariado, a dos Estados Unidos, e uma escravidão do proletariado a da Rússia. Basta dizer que nos EUA a melhoria de produtividade – e às vezes mais – é totalmente absorvida pelos aumentos dos salários. Em vez da quase subnutrição e do mínimo biossocial previsto por Marx na sua teoria da mais valia, o que se vê nos EUA é o operário dono de automóvel.
Não faz mal repetir os algarismos que tantas vezes tenho citado da evolução da remuneração do capital na primeira metade deste século nos Estados Unidos, país conhecido como a fortaleza do capitalismo:



Quadro Demonstrativo da Participação % no PIB dos EUA



 Anos Trabalho Capital
 1900 - 1918 57,0 19,6
 1919 - 1928 62,4 19,0
 1929 - 1938 65,6 19,2
 1940 63,9 14,0
 1950 64,3 9,8
 1955 68,8 9,9
Quadro Demonstrativo das Horas Semanais Trabalhadas e Ganho Real (1899-1900 base 100)



 Anos Horas Semanais Remuneração Real %
 1889 - 1890 60,0 90
 1899 - 1900 59,0 100
 1909 - 1910 56,6 116
 1919 - 1920 47,4 113
 1929 - 1930 42,1 134
 1939 - 1940 38,1 192
 1949 - 1950 40,5 248
 1955 40,7 286

Esses números provam mais do que quaisquer argumentos ou discursos.
O que há é uma grande covardia diante da moda de se dizer esquerdista, possuidor de idéias avançadas (conquanto indefinidas) e de sentimentos humanos.
Dessa espécie de esquerdistas ou progressistas é que disse George Bernanos, com muita propriedade:

"Os católicos de esquerda ou de extrema esquerda sempre me deram a impressão de uma retaguarda de caudatários da tribo marxista em marcha para a terra prometida", acrescentando: "Parece que já não há outra maneira de amar os pobres senão a de ser marxista."

O nosso atual regime sócio-econômico, que propus designar por social-capitalismo, a saber, adoção de processos capitalistas para atingir objetivos sociais, desenha-se bem nas várias instituições como INPS. FGTS, PIS, siglas já bem conhecidas.

Importa contudo não perder de vista que o sistema capitalista, da iniciativa privada, deve ter o lucro como incentivo ou melhor, como isca. Porque como escreveu o grande scholar J. Viner:

"Se porém a estrutura do sistema tributário é tal que o empresário tem que suportar todos os prejuízos que ocorram, só tendo direito a uma parte mínima dos lucros, se houver, ele dará então preferência a aplicações de renda fixa e não assumirá o risco das iniciativas que promovem o progresso econômico do País."

Sobre a eficiência dos processos capitalistas, comparados com os que clamam por melhor distributivismo, escreveu o Professor Robert Solow:

"Se compararmos dois regimes econômicos, um baseado na livre iniciativa e incentivo de lucro com taxa de progresso de 4% ao ano, digamos, e o outro de melhor distribuição de renda, com uma taxa de 2%, veremos, ao fim de alguns anos, que os pobres do primeiro sistema são mais ricos do que os remediados do segundo."

E o Professor Dewhurst observou que:

"De todas as grandes nações industriais, a que mais se tem apegado ao capitalismo privado é a que mais se aproximou do ideal socialista de prover a abundância em uma sociedade sem classes."

Q.E.D.

Nenhum comentário:

Postar um comentário