Sob o título de Avanços do Estatismo no Brasil, Paulo Roberto de Almeida postou estes artigos em seu TextosPRA. Penso que estejamos em um momento de crucial importância para o desenvolvimento nacional, visto uma reconfiguração no cenário internacional dado o desenvolvimento acentuado da China, bem como pela ascensão de novos "protagonistas", ademais do aumento desta onda de inovação em combustíveis e em computadores, chips e assemelhados. Assim, temos de ajeitar as coisas em terreno doméstico para melhor aproveitar este momento. Nisto se insere a discussão sobre as empresas estatais, bem como da ingerência estatal sobre a economia. Esta não é uma "questão de fé"; devendo, portanto, ser analisada objetiva e racionalmente, pesando-se os custos e os ganhos dos modelos propostos. Não devemos colocar estas questões sob "bandeiras". E aqui me dirijo àqueles das mais variadas colorações ideológicas que, deste modo, procedem. Receio que, a se continuar assim, não teremos a devida virtù para aproveitar esta oportunidade de conquistar determinada prosperidade.
Vinícius Portella
Porto Alegre,
04 1225 mar 2010
Refúgio dos ricos
Miriam Leitão
O GLOBO, 28.02.2010
Dos empréstimos concedidos no ano passado pelo BNDES, as grandes empresas representaram 9,7% das operações e ficaram com 83% do dinheiro. Há casos espantosos, como o do frigorífico JBS Friboi, do qual o BNDES comprou 99,9% das debêntures emitidas. O maior desembolso foi para o projeto que tem contestação do TCU, mas que o governo resolveu manter assim mesmo: a refinaria Abreu e Lima.
O BNDES é um velho canal pelo qual o Brasil transfere dinheiro para a elite empresarial. O dinheiro é mais barato do que o custo pago pelo Tesouro por sua dívida, ou seja, é subsidiado.
Nunca antes na história desse BNDES houve tantas operações de grande volume para empresas grandes por motivos discutíveis.
Nesta crise, o banco voltou a ser hospital de empresas, um papel que havia sido renegado na década passada pelos prejuízos que provocou.
No começo do ano passado, logo após receber R$ 100 bilhões do Tesouro, o banco liberou R$ 2,4 bilhões para capitalizar a Sadia, para que a empresa fosse assumida pela Perdigão, formando a BR Foods. A Sadia estava em encrenca justamente por erros dos seus acionistas e administradores na especulação com o câmbio.
E, se não comprasse, o que aconteceria? Nada, a empresa acabaria sendo comprada por um preço mais baixo por qualquer concorrente interessado nos ativos.
O fato é que com operações assim, o que o BNDES preservou foi o patrimônio dos acionistas. Foi mais uma vez o refúgio dos ricos.
O caso do Friboi é espantoso.
Primeiro, porque é descarada a preferência pelo frigorífico e o financiamento total ao seu projeto de internacionalização.
A imprensa fala em R$ 7,5 bilhões aplicados pelo banco na empresa em dois anos. Até o presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos, Péricles Salazar, em entrevista ao "Estado de S. Paulo", disse o seguinte: "O grande pecado do BNDES é o excesso. O país tem outras prioridades. Por que jogar tanto dinheiro numa empresa só?" O BNDES admitiu ter posto R$ 3,2 bilhões e mais R$ 2,5 bi no Bertin, comprado pelo JBS.
O Friboi tem quase 80% da sua receita fora do país. Na operação para a compra do Pilgrim's Pride, um frigorífico americano, a empresa lançou debêntures de R$ 3,4 bilhões, e o BNDES comprou 99,9%. A família Batista, dona da empresa, comprou meros 0,05%. Consultado, o JBS alegou que não tinha técnico disponível para responder às nossas perguntas.
Quando a Aracruz também se complicou com derivativos cambiais, a Votorantim a comprou por R$ 5,4 bilhões, mas o negócio só foi possível porque o BNDES fez um aporte de R$ 2,4 bilhões na VCP, 40% do valor do negócio, deixando assim a família Ermírio de Moraes e as famílias donas da Aracruz com seus patrimônios preservados e engordados. Essas operações de compra de ativos não geram emprego, muito menos a compra no exterior, como fez o JBS Friboi.
O dinheiro dado à Telemar para a compra da Brasil Telecom foi uma extravagância.
E, de novo, era um negócio que significava mais concentração e nenhum emprego.
Só duas das parcelas foram: R$ 2,6 bilhões, anunciada em 2008, e R$ 4,4 bilhões, em 2009. Consultada, a empresa disse que está em período de silêncio que antecede a divulgação de balanços.
O BNDES afirma que só participou com R$ 2,6 bilhões na compra pela Telemar da Brasil Telecom. No balanço de 2009, há R$ 4,2 bi em empréstimos para a Telemar e Brasil Telecom.
O pior empréstimo do BNDES foi para o frigorífico Independência, porque a operação de injeção de R$ 450 milhões no capital foi feita em novembro de 2008. Com esse capital, o banco ficou sócio do frigorífico, do qual 100% das ações pertenciam à família Russo. O banco subscreveu R$ 250 milhões de ações e em março faria outra operação de R$ 200 milhões, mas aí a empresa quebrou e entrou em recuperação judicial.
Hoje, vários bancos estão na Justiça, inclusive o JP Morgan, para tomar os bens de acionistas. O BNDES nos respondeu que encaminhou o assunto ao departamento jurídico. O que precisa ser explicado é como ele colocou tanto dinheiro num frigorífico às vésperas de quebrar.
O BNDES montou também uma acrobacia fiscal para tentar garantir a aparência de cumprimento do superávit primário. Transferiu R$ 3,5 bilhões para o Tesouro comprando dividendos da Eletrobrás.
Tradicional financiador de projetos de longo prazo, o banco hoje em muitas operações se distancia desse perfil. Virou sócio de empresas com dificuldades e, além disso, empresta recursos para as mesmas empresas das quais é sócio. Faz operações de alto risco, como a do Frigorífico Independência, e participa de manobras fiscais para edulcorar as contas públicas.
Para as pequenas empresas, o banco destinou 5% do capital; para as micro, 4%; e para as médias, 7%. Pessoa física ficou com 1%. O resto, 83%, foi para as grandes, que são apenas 9,7% das operações.
No site da instituição, está registrado que os maiores empréstimos foram para a Refinaria Abreu e Lima, R$ 10 bilhões; Petrobras, com outros R$ 10 bilhões; alguns grandes projetos como Santo Antônio; Jirau; e grandes empresas mesmo estrangeiras como General Motors. No ano passado, na área industrial, o JBS está como a maior operação, com R$ 3,5 bilhões a título de "internacionalização da empresa". A segunda é de compra de ações da BR Foods, de "até" R$ 1 bilhão.
E houve várias operações apenas de concessão de capital de giro, como a de R$ 200 milhões para a Camargo Corrêa, mesmo valor destinado à Positivo Informática.
Para as Lojas Americanas, R$ 150 milhões; para a TIM, duas operações de R$ 200 milhões cada. Capital de giro não costuma ser financiamento de longo prazo.
Digamos que tudo isso foi feito numa ação anticíclica.
E agora que a crise passou? O BNDES vai manter o mesmo tipo de atuação?
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Estatais? Para que?
SUELY CALDAS
ESTADO DE SÃO PAULO - 28/02/10
O socorro financeiro de governos de países ricos a grandes bancos afetados pela crise animou integrantes do PT e do governo Lula a tirarem do baú convicções que foram forçados a esconder por 20 anos com a derrota do velho socialismo e a queda do Muro de Berlim. Com a euforia de quem passou esse tempo na retranca e agora vai à forra, a ministra Dilma Rousseff e o assessor especial de Lula Marco Aurélio Garcia condenaram a economia de mercado e aproveitaram para defender e justificar a presença forte do Estado na economia. Dilma chegou a afirmar que a ideia de livre mercado está fora de moda.
No afã de partir para o ataque, os dois esqueceram de criticar o que merece ser criticado e corrigido e se destrambelharam em análises apressadas e inadequadas. Onde o socorro financeiro ocorreu - EUA, Europa e Japão - não se cogita abrir mão da economia de mercado, e propostas na direção de estatizar os bancos que receberam socorro foram rejeitadas pelos governantes.
Nessa crise, erraram os bancos centrais, o BIS, que os supervisiona, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e as agências de risco - que não regularam, não fiscalizaram, não anteviram nem preveniram a crise. Essa cadeia de omissões, aliada à ganância por lucro elevado e rápido, incentivou executivos financeiros a fazerem apostas erradas e milionárias, num jogo especulativo e irresponsável com dinheiro alheio, que acabaram por criar uma situação de quebradeiras em série, em que os governos tiveram de intervir para evitar o pior.
Menos do que o tamanho da crise recomenda, governos e bancos centrais buscam agora corrigir seus erros submetendo o mercado a regras de regulação e fiscalização. Isso, sim, merece ser duramente criticado e corrigido e os especuladores, julgados. Não ensejar o ingênuo e ultrapassado desejo de recuperar para o Estado o papel de empresário - modelo derrotado nos países da União Soviética e do Leste Europeu e que só sobreviveu com a população silenciada, sem liberdade, sem direito a votar nem opinar. Modelo que atrofiou a economia, não produziu riquezas nem novas tecnologias. Nele, a população estava condenada à pobreza, os salários eram baixíssimos, não havia previdência para os idosos nem direitos trabalhistas para os trabalhadores.
Quando Nikita Kruchev e depois Mikhail Gorbachev começaram a destampar e remexer seu conteúdo, dessa panela transbordou o que ficou escondido por décadas: milhares de opositores assassinados, corrupção disseminada entre governantes e burocratas, gestões medíocres e incompetentes, empresas paralisadas e acomodadas, tecnologia primitiva, pobreza espalhada pela população e um gigante e rico poderio bélico-militar a sustentar a guerra fria.
No Brasil, empresas estatais foram criadas em dois momentos. Por Getúlio Vargas, a partir da década de 40, com Vale, Petrobrás e CSN. Foi o que deu impulso à industrialização - o que, na época, seria quase impossível fazer sem a participação do Estado. Juscelino Kubitschek acelerou a industrialização atraindo empresas privadas estrangeiras. Hoje reverenciado à esquerda e à direita, na época foi xingado de entreguista.
Num segundo momento, as estatais ganharam espaço e musculatura com a ditadura militar de 1964. Telebrás, Siderbrás, subsidiárias da Petrobrás, Eletrobrás vitaminada, bancos estaduais, enfim, centenas de estatais criadas pelos generais ditadores, num modelo típico de capitalismo de Estado, uma vez que defensores do socialismo eram reprimidos, presos e torturados.
A quem serviram as estatais? Hoje, com o distanciamento do tempo e centenas de casos conhecidos de corrupção, escândalos financeiros e uso político, é possível dizer que as estatais serviram muito mais a presidentes, governadores, prefeitos, deputados, senadores e seus amigos do que aos brasileiros.
As distribuidoras de energia elétrica e os bancos estaduais eram descaradamente usados como caixa de governadores para financiar campanhas eleitorais. O setor elétrico (Eletrobrás e subsidiárias) foi por anos feudo do senador baiano Antonio Carlos Magalhães, transferido depois para o senador José Sarney. A Telebrás e as telefônicas estaduais eram inchadas de apadrinhados, prestavam favores aos políticos, enquanto a população mendigava uma linha telefônica, que custava R$ 5 mil.
Pois agora, com todo esse lamentável histórico, em vez de um programa de governo para a banda larga, Lula e Dilma querem ressuscitar a Telebrás e criar uma nova estatal de fertilizantes. Para quê?
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