sexta-feira, 12 de março de 2010

44) Devo aceitar algo unicamente por não ter razões para refutá-lo?


Desidério Murcho em considerações motivadas pelo livro sub-citado e que nos são de suma importância. Afinal, devo aceitar algo unicamente por não ter razões para refutá-lo?


Vinícius Portella

Porto Alegre,
12 1236 mar 2010.


Ned Block e Philip Kitcher

"Misunderstanding Darwin" é uma boa discussão do último livro de Jerry Fodor e Massimo Piatelli-Palmarini.

Um erro estrutural no pensamento de muitos filósofos é o que podemos chamar possibilismo: a ideia de que seja qual for a possibilidade em que se consegue pensar, terá de ser excluída por um qualquer argumento dedutivo formal ou então teremos de viver com ela. Este género de falácia está presente na ansiedade cartesiana para excluir a mera possibilidade vaga de estar a sonhar e nos argumentos cépticos contra a possibilidade do conhecimento. A resposta correcta é a dada por Russell em Os Problemas da Filosofia: não se pode excluir logicamente tais possibilidades, mas não há qualquer razão para as aceitar, e são menos plausíveis do que as outras.

Mas o possibilismo é persistente. Está presente no idealismo e no kantismo, tão prevalecente nas zonas mais anémicas da cultura filosófica: como não se consegue provar matematicamente que existe um mundo largamente independente de nós, então não existe tal mundo e tudo é pensamento, representações, ideias nossas, interpretações, narrativas; como há sempre várias maneiras de descrever a mesma realidade, incompatíveis entre si mas compatíveis com os mesmos dados, então a realidade é indeterminada, ainda que exista. 

Precisamente por se apoiarem no possibilismo, Fodor e Piatelli-Palmarini cometem os erros apontados por Ned Block e Philip Kitcher. Para aqueles autores, teria de haver uma maneira lógica de excluir propriedades esquisitas, mas como não há tal coisa, acabou-se a teoria de Darwin, porque agora qualquer uma de uma infinitude de propriedades poderá ser responsável pela selecção. A resposta de Block e Kitcher é como a de Russell: não podem ser excluídas, mas são irrelevantes cientificamente.

Só faltava acrescentar que o raciocínio científico deve o seu sucesso, entre outras coisas, ao conservadorismo epistémico, que é o que se opõe ao possibilismo. Consiste em ser tão conservador quanto possível ao levantar hipóteses explicativas; avança-se apenas para entidades, energias, forças, seja o que for de afastado do senso comum, quando isso é mais económico e plausível do que continuar a usar as explicações e categorias que já usávamos antes. Quem me dera que mais filósofos compreendessem este aspecto fundamental do sucesso epistémico e parassem de explorar meras possibilidades lógicas a favor das quais não há qualquer motivação, esperando depois que os refutem. Como Moore viu, a hipótese de que tenho duas mãos é muito mais plausível do que a hipótese de que os cépticos têm razão; ambas podem estar erradas e ambas podem ser refutadas, mas qual delas é mais sensato aceitar?

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