domingo, 20 de junho de 2010

145) Da Morte de Saramago.

Reproduzo abaixo o postado no Bibliotecário de Babel sob o título Uma Lenda Grega. Ainda que, nos últimos anos, tenha me afastado da visão de mundo que tanto animou o trabalho de Saramago, reconheço o fato de seu gênio não estar circunscrito totalmente a ideologias e de ter sabido captar e expressar muito bem certos aspectos da vida humana. Embora algo natural e não de todo inusitado face a idade avançada que contava, choro sua morte.

Vinícius Portella

Porto Alegre,
20 0107 jun 2010.
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Das várias dezenas de depoimentos publicados hoje na imprensa portuguesa sobre a morte de José Saramago, parece-me que o melhor foi o da escritora Hélia Correia, no modo como escapa ao inevitável esquematismo (e consequente banalidade) dos elogios fúnebres:

«Diz a lenda o que a história não confirma: que, no tempo em que Sófocles morreu, a Atenas que tanto o venerou e que tão venerada foi por ele se encontrava cercada pelos espartanos. A aldeia natal do dramaturgo encontrava-se então fora de portas, inacessível aos atenienses. O deus do teatro apareceu então nos sonhos de Lisandro, o general das tropas sitiantes. Ordenava que abrissem alas para dar passagem ao cortejo funerário. Lisandro obedeceu sem hesitar. Todos, atenienses e espartanos, se inclinaram com vénia e com lamento, ante o corpo do grande criador. Não consigo fazer elogios fúnebres. Digo “não” ao louvor de circunstância. Palavras e palavras vão cair com um grande barulho neste dia e todas elas ficarão aquém da grandeza deste homem. Que houve entre nós um luminoso afecto é coisa que me diz respeito a mim e sobre a qual não tenho que escrever. Que tenho um pensamento de triunfo é o que eu gostaria de explicar. Porque há aqui triunfo: a plenitude de um cidadão inteiramente dedicado à sua polis e aos seus contemporâneos. E a plenitude de um “poeta”, daquele que faz obra e é por ela tornado glorioso. É o homem na sua existência absoluta. O homem que, sabendo-se mortal e não acreditando num Além, se empenha soberbamente em viver e criar com um fulgor e com uma coragem que os crentes desconhecem ou receiam.

Para além do meu preito pessoal, que não se há-de resumir a depoimento, eu imagino aqui uma cidade que o leva em ombros – e os inimigos a abrirem caminho e a curvarem-se. Se os gregos inventaram esta lenda, é para que a memória a active quando um homem como Saramago nos deixa.»

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