O acaso me fez topar com esta postagem intitulada Industria Competitiva, Desenvolvimento e Exportacoes Agricolas postada já há quase quatro anos por Paulo Roberto de Almeida. O assunto é muito interessante e fundamental no tangente às perspectivas de desenvolvimento nacional neste século. Abstenho-me de qualquer comentário, ressalva, ou da manifestação dos pontos que por ventura concorde ou não com o articulista, limitando-me exclusivamente a reproduzir, neste espaço, suas palavras.
Vinícius Portella
Porto Alegre,
15 1323 jun 2010.
A partir de um editorial do jornal O Estado de São Paulo sobre a diplomacia do governo Lula – “Uma política claramente ineficaz”, 7/07/2006 (também disponível neste blog, no post 572) –, desenvolvo considerações sobre duas frases do emb. Samuel Pinheiro Guimarães, destacadas nessa matéria. As frases, que suscitaram debates em listas de internet, são as seguintes:
1) “Se a indústria brasileira fosse competitiva o Brasil seria um país desenvolvido.”
2) “Se a população se alimentar bem, o Brasil não deve ser um grande exportador agrícola no futuro.”
Obviamente que frases destacadas de seu contexto podem se prestar a manipulações de diversos tipos, mas acredito que essas frases são reveladoras de uma certa confusão entre meios e finalidades, razão pela qual permito-me comentá-las.
1) “Se a indústria brasileira fosse competitiva o Brasil seria um país desenvolvido.”
O Brasil é um país industrialmente desenvolvido, embora alguns segmentos, por deficiencias de inovação tecnológica ou problemas do chamado custo-Brasil ou ineficiências de escala, não sejam suficientemente competitivos para sustentar concorrência com esses mesmos segmentos de alguns países desenvolvidos ou com seus congêneres asiáticos.
O fato é que industriais americanos temem uma eventual competição com seus homólogos brasileiros no quadro de uma eventual Alca (agora moribunda) em setores como siderurgia, calçados, têxteis e nas chamadas indústrias labour-intensive de modo geral. Nós somos imbatíveis nessas áreas, muito mais modernos do que os americanos, para nada falar do agronegócio, submetido ao protecionismo comercial.
Perderíamos feio, em contrapartida, em máquinas e equipamentos, em química fina, farmacêutica, componentes eletrônicos e nos serviços financeiros e de comunicações de massa, em geral.
Ou seja, não há UMA única situação da indústria, há um quadro desigual que revela DESENVOLVIMENTO e COMPETITIVIDADE em vários segmentos, atrasos em vários outros (por problemas do já alegado custo-Brasil) e insuficiências propriamente industriais e tecnológicas em muitas outras.
É um quadro desigual, portanto, mas isso não é exclusividade brasileira e sim caracteristicas de TODOS, repito, TODOS os países, que possuem vantagens comparativas em alguns setores ou ramos (e intra-ramos) e desvantagens em outros. NUNCA se pode ser competitivo em todos os setores e ramos ao mesmo tempo.
Quanto a ser ou não DESENVOLVIDO, isto é um pouco subjetivo, pois envolve uma série de outras apreciações qualitativas - não apenas ligadas à renda per capita - que seria muito complexo expor aqui. O Brasil certamente é um pais em desenvolvimento se se olha a sua população miseravel, mas é um pais ALTAMENTE DESENVOLVIDO se formos olhar para o seu establishment científico, que rivaliza com os melhores do mundo, mas que não inova tecnologicamente por desvinculação com a indústria e por outros problemas de financiamento à pesquisa aplicada.
Existem países que são desenvolvidos sem necessariamente ter uma indústria competitiva ou com uma competitividade ligada a poucos setores. Dou exemplos: Dinamarca, Austrália, Nova Zelândia, com sua prosperidade baseada essencialmente no agronegócio, como nós aliás, mas nós apenas no agronegócio (antes que passem as hordas do MST...).
Como interpretar a frase do Embaixador, entao? Pouco clara, pois o Brasil pode e TEM indústrias competitivas e pode ter ainda mais -- como a aeronáutica civil de pequeno porte, ou várias outras ainda -- sem necessariamente ser desenvolvido socialmente. São problemas não excludentes, eu diria.
2) “Se a população se alimentar bem, o Brasil não deve ser um grande exportador agrícola no futuro.”
Uma coisa não tem absolutamente nada a ver com a outra. NADA. Todas as situações são possíveis – isto é: população bem alimentada e grande exportador mundial de alimentos, ou não, e população mal alimentada e grande exportador de alimentos, ou não –, poisque não há nenhum determinismo a priori nesse tipo de situação.
Os homens, como diz a teoria econômica, reagem a estímulos, todo o resto sendo uma mera conseqüência.
Mercados livres são capazes de fazer maravilhas, assim como mercados restritos criam outras situações difíceis, do ponto de vista do produtor economicamente competitivo.
Para o produtor, não existe NENHUMA diferença, repito NENHUMA, entre o mercado interno e o mercado externo, são ambos mercados, ponto. Do ponto de vista da comercialização é que começam os problemas: protecionismo agrícola, subsídios, quotas tarifárias restringem a entrada de nossos produtos agrícolas altamente competitivos nos mercados assim protegidos, restringindo a nossa capacidade de oferta, que seria muito maior se todos os mercados fossem livres. No próprio Brasil, os mercados são realtivamente livres, agora (eles já foram menos livres, no passado, com mecanismos de preços controlados, por exemplo) e por isso nossa oferta interna é abundante - já que não existem, a rigor, barreiras comerciais entre os estados brasileiros.
Com a liberalizacao agricola mundial, se houver, nós seremos NECESSARIAMENTE grandes exportadores agricolas mundiais, isso é quase MATEMÁTICO, a menos de algum desastre interno e uma reversão total nas atuais políticas agricolas (o que o MST, com a ajuda de alguns no governo, se esforça por conseguir, com sua política estúpida da reforma agraria e da agricultura familiar, que não teriam por que ser contra o agronegócio e contra as exportações agricolas, mas que por burrice e estupidez deles, o são, objetivamente).
Agora venho à primeira parte da frase, que NÃO FAZ o menor sentido, pela razao muito simples que se alimentar bem não tem NADA, repito NADA, a ver com a oferta agrícola, e sim com a renda disponivel.
Um pais como a Suíça, por exemplo, não poderia se alimentar bem apenas com a sua oferta agricola; ela TEM NECESSARIAMENTE de importar alimentos, o que ela faz muito bem e sem problemas, pois há excesso de oferta alimentar no mundo.
Concluindo, a população brasileira poderia se alimentar muito bem -- se todos tivessem renda para tanto -- e ainda assim somos e SEREMOS os grandes exportadores agrícolas mundiais sem qualquer contradição entre uma coisa e outra. NAO HÁ e NÃO PODE HAVER contradição entre os dois termos.
Aliás, aposto com quem quiser que seremos GRANDES EXPORTADORES agrícolas mundiais muito antes que toda a população consiga se alimentar bem, mas os problemas aqui não têm nada a ver com a agricultura, são problemas de distribuição, apenas e simplesmente isso.
Acho que o assunto é rico e se presta a muitas elaborações; eu dei a minha contribuição como acima.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 9 de julho de 2006
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