Falsificação, pessoas e teorias
photo by Felipe Morin | via PhotoRee |
As ideias de Popper sobre o que marca a diferença entre ciência e pseudociência parecem-me subtilmente erradas. Acertou ao pensar que a resistência à refutação é uma marca importante dessa diferença. Mas errou ao pensar que essa marca é uma característica das teorias em si, e não da atitude que as pessoas têm perante as teorias.
Popper pensava que uma teoria pseudocientífica não era refutável. Mas isto é falso. Tome-se a astrologia. Não é difícil retirar dela afirmações falsificáveis, se com falsificável queremos apenas dizer que é logicamente possível fazer uma observação incompatível com a teoria. Por exemplo, podemos observar um deus a descer à Terra e a dizer “A astrologia é falsa”. Isto é uma observação e refuta a astrologia.
Mas é claro que não é este género de coisa que Popper tinha em mente. O que tinha em mente não era a mera possibilidade lógica, mas antes física ou metafísica: observar, por exemplo, que o João foi assassinado no dia em que o horóscopo vaticinava que tudo iria correr bem. Só que isto acontece vezes e vezes sem conta, com qualquer teoria pseudocientífica.
O que torna as teorias pseudocientíficas resistentes à refutação não é exclusivamente as propriedades lógicas dessas teorias, mas antes a atitude epistémica dos seus defensores. É verdade que as teorias pseudocientíficas são tipicamente mais vagas do que as científicas; mas isso é apenas uma questão de grau. O que faz a diferença fundamental não é isso, mas antes a atitude que as pessoas têm perante tais teorias. A razão pela qual as teorias científicas são precisas, apesar de todas terem começado por ser muito imprecisas, é as pessoas que fazem ciência procurarem activamente testá-las. A razão pela qual as teorias pseudocientíficas não são tão precisas é porque ao longo do tempo os seus defensores não procuram testá-las, mas apenas defendê-las.
Popper viu um aspecto importante da diferença entre ciência e pseudociência. Esse aspecto é a refutabilidade. Mas pensou erradamente que essa é uma característica lógica das próprias teorias. Não é. É apenas uma característica da atitude epistémica das pessoas que fazem ciência, que difere da atitude epistémica das pessoas que fazem pseudociência. (Esta diferença de atitude depois influencia decisivamente a estrutura das instituições: num caso encara-se a refutação como parte integrante do trabalho intelectual; no outro, encara-se a refutação como uma ofensa, um opróbrio.) Quem tem uma atitude epistemicamente proba não se limita a permitir refutações: procura-as activamente e dá-lhes muita atenção. Quem não tem essa atitude, foge o tempo todo das refutações, recorrendo a todos os truques imagináveis — desde pôr em causa a lógica, que não põe em causa quando a lógica é favorável às suas ideias, até pôr em causa todas as instituições científicas, que também não põe em causa quando essas instituições lhes salvam a vida com medicamentos eficientes, etc.
Do meu ponto de vista o que faz a diferença entre ciência e pseudociência não é, primariamente falando, uma qualquer diferença nas propriedades das respectivas teorias, mas antes uma diferença de atitude de quem faz e estuda essas teorias. Claro, essa diferença de atitude acaba por influenciar as teorias -- tornando umas mais precisas e mais facilmente refutáveis, outras mais vagas e mais difíceis de refutar por se rodearem de sofismas e jogos de palavras.
E o que pensa o leitor?
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