Eu não tenho visões idealizadas do mundo, nem compro visões de mundo mofadas à venda em antiquários. Não me alinho automaticamente à esquerda, ou à direita. Eu sequer gosto dessas distinções e, com o passar do tempo, acho que elas fazem cada vez menos sentido, ao simplificar em demasia uma variedade expressiva e multi-facetada de posições políticas. Cheiram-me até mesmo a um certo maniqueísmo. Eu penso que de nada valham grandes visões quando desancoradas de considerações objetivas quanto à alocação necessária de meios à consecução de determinado objetivo. Assim, nessas questões relativas à dimensão que o Estado deva ter, são critérios o mais objetivos possíveis que balizam minha opinião sobre tal tema. Creio contundentes as considerações do artigo que segue abaixo sobre os gastos excessivos de muitos governos. De maneira geral, questionamentos sobre a viabilidade de determinadas medidas no tangente aos recursos existentes não despertam muito interesse ou comoção. Não vejo problema algum em reivindicar-se aquilo que se tem por direito, senão vejo com desconfiança quando tais reivindicações andam divorciadas das coisas do mundo. Há muita inspiração e pouca transpiração nisso...
Vinícius Portella
Porto Alegre,
10 0134 jun 2010.
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Bem, não estou falando do Brasil, ou pelo menos não diretamente. Mas talvez devesse, como deixa claro este excelente artigo transcrito abaixo.
É tão claro que não necessita maiores elaborações da minha parte.
Paulo Roberto de Almeida [origem]
Dois Profetas Franceses
João Luiz Mauad
O Globo, 9/06/2010
As notícias sobre a crise financeira européia na imprensa mundial têm pelo menos alguma coisa em comum: as imagens das manifestações de rua contrárias a qualquer mudança. Nesse sentido, a atual “tragédia grega” é exemplar. Mostra, em cores vivas, o que pode acontecer quando um país inteiro resolve viver acima de suas possibilidades, sem se importar com a conta. Qualquer ajuste proposto é logo repelido pela população, que se recusa a abrir mão do seu conto de fadas.
Esse é o retrato cruel de um povo colhido pela síndrome do auto-engano. Ninguém admite sequer a possibilidade de perder alguns “direitos”. Aposentados, pensionistas, funcionários públicos, estudantes, todos estão dispostos a lutar, com unhas e dentes, para manter seus privilégios. Não interessa quem vai pagar por isso, no presente ou no futuro. Acreditam que o Estado é uma fonte inesgotável de recursos, bastando aquilo que os demagogos convencionaram chamar de “vontade política”.
O político francês Frédéric Bastiat já previa, ainda na primeira metade do Século XIX, o rumo que a História européia tomaria. Cansado de tanto esgrimir pelo bom senso, diante de um parlamento majoritariamente socialista, ele proclamou, num de seus mais emblemáticos discursos:
Não desejo outra coisa, estejam certos, senão que vocês tenham conseguido descobrir, apesar de nós, um ser benfeitor e inesgotável, que tem pão para todas as bocas, trabalho para todos os braços, capital para todos os empreendimentos, crédito para todos os projetos, bálsamo para todas as feridas, alívio para todos os sofrimentos, conselhos para todas as perplexidades, soluções para todas as dúvidas, verdades para todas as inteligências, distração para todos os aborrecimentos, leite para a infância, vinho para a velhice; que acuda a todas as nossas necessidades, atenda a todos os nossos desejos, satisfaça todas as nossas curiosidades, conserte todos os nossos erros, repare nossas faltas e nos dispense a todos, daqui por diante, de previdência, prudência, julgamento, sagacidade, experiência, ordem, economia, temperança e atividade(...)Esta fonte inesgotável de riquezas e luzes, esse remédio universal, esse tesouro sem fim, esse conselheiro infalível que vocês chamam de Estado.
Sábias palavras!
Alguns analistas de esquerda creditam os atuais problemas europeus à globalização, à especulação ou à moderna engenharia financeira. Ignoram, convenientemente, que os governos mundo afora, com raríssimas exceções, quase sempre gastam muito mais do que arrecadam. A inadimplência de Estados soberanos não é algo raro. O próprio governo grego esteve inadimplente durante mais da metade do tempo, ao longo dos últimos 180 anos.
A ideologia do bem-estar social encontra-se tão profundamente enraizada na alma européia que é quase impossível a um político eleger-se sem prometer ainda mais benefícios. Mas as intermináveis benesses têm sufocado o crescimento. A Europa transformou-se num continente estagnado economicamente e decadente socialmente, a começar pelas baixíssimas taxas de natalidade e uma indisfarçável xonofobia. A agonia é lenta, mas implacável.
Alexis de Tocqueville, conterrâneo e contemporâneo de Bastiat, foi talvez quem melhor definiu o que viria a ser a social-democracia do Velho Continente, ainda que não tenha vivido para testemunhá-la. No epílogo de sua monumental obra “A democracia na América”, ele anteviu, nas democracias, a emergência de uma espécie de “escravidão disciplinada, moderada e serena”, que seria aceita e, até mesmo, desejada. “Parece-me que, se o despotismo vier a se estabelecer entre as nações democráticas, teria outras características: seria mais extenso e mais doce, e degradaria os homens sem os atormentar”, diagnosticou.
Segundo ele, o futuro déspota trataria de “prover segurança, antecipar e satisfazer necessidades, dar gosto aos prazeres, resolver as principais inquietudes e dirigir os negócios” de seus súditos. Este déspota, “depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de o ter moldado a seu gosto, estende seus braços sobre toda a sociedade; cobre a superfície desta com uma rede de normas secundárias, complexas e minuciosas ... Não anula a vontade das pessoas, mas a refreia, a inclina e a dirige; raramente ordena atuar, mas freqüentemente inibe as iniciativas; não destrói nada, mas impede que se criem muitas coisas; não tiraniza, mas obstrui, reprime, debilita, sufoca e embrutece, a ponto de transformar os povos num mero rebanho de animais tímidos e industriosos, de que o governo é o pastor.”
Qualquer semelhança com um certo país tropical, não é mera coincidência.
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Talvez eu possa agregar um único comentário.
Não creio que os "interlocutores" no debate, e sobretudo os manifestam nas ruas, percebam suas pensões, bolsas, subsídios, salários, garantias, enfim, tudo o que recebem do Estado como "privilégios".
Eles acham, como aqui no Brasil, que se trata de "direitos adquiridos", tão legítimos quanto... os salários dos trabalhadores do setor privado.
Eles provavelmente acham que a sociedade, em seu conjunto, tem o dever de continuar mantendo o mesmo número de prestações sociais, qualquer que seja a origem, motivo e legitimidade desses "direitos" (alguns arrancados espertamente por táticas corporativas) e que se existe algum problema, basta passar a conta para os banqueiros, para os capitalistas, para os "privilegiados", enfim.
O Estado é concebido justamente como a grande máquina redistribuidora de "direitos" aos que, como eles, trabalham e recolhem impostos (enfim, alguns não o fazem, nem um, nem outro, mas essa é outra questão).
A inconsciência (ou a má fé) de certas pessoas é ilimitada...
Paulo Roberto de Almeida
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