Política - 11/06/2010 - 14h39
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu na noite de quinta-feira, por 6 votos a 1, que os candidatos com condenações graves em órgão colegiado não poderão concorrer nas eleições de outubro, o que, na prática, faz com que a lei Ficha Limpa passe a valer nas eleições deste ano. A constitucionalidade da legislação, entretanto, ainda pode ser questionada.
A maioria dos ministros acompanhou o voto do relator Hamilton Carvalhido, que considerou que o período eleitoral começa apenas após o registro de candidaturas, no dia 6 de julho.
O presidente da corte, ministro Ricardo Lewandowski, citou vários casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para convencer os demais ministros que, segundo a jurisprudência da Suprema Corte, as mudanças na lei de inelegibilidade não afetam o processo eleitoral, e, portanto, não precisam esperar um ano para serem aplicadas. “Esta lei homenageia um princípios que representa a própria base do princípio republicano, que é a moralidade no âmbito administrativo”, disse Lewandowski.
A vice-procuradora Eleitoral, Sandra Cureau, também pesou a importância da moralidade e da grande mobilização social em prol da aprovação do projeto. “Não há como sustentar que essas normas tenham que ser preteridas para eleições futuras. Seria uma grande decepção para o povo brasileiro se mais uma vez não se conseguisse que os candidatos sejam pessoas idôneas”, afirmou.
Outro argumento usado pelos ministros favoráveis à aplicação da lei é o histórico recente de condenações de candidatos por propaganda extemporânea pelo próprio TSE. “Se os punimos por fazerem propaganda antes do processo eleitoral, é porque o processo eleitoral não começou. Temos que ter o mesmo entendimento em relação a essa lei”, disse a ministra Carmen Lúcia. O mesmo argumento foi utilizado depois pelo ministro Aldir Passarinho Junior.
Apesar de terem votado a favor da aplicação da lei em 2010, os ministros Arnaldo Versiani e Marcelo Ribeiro fizeram várias ressalvas. “O processo eleitoral se inicia com o alistamento dos eleitores e termina depois da prestação de contas. As regras começam um ano antes. Eu acho que o Artigo 16 da Constituição se aplica para qualquer legislação que trate desse assunto”, disse Versiani. Os ministros só votaram favoravelmente à aplicação da lei para não contrariar a jurisprudência do STF.
Voto vencido, o ministro Marco Aurélio disse que o tribunal fica em situação delicada se agir contra o anseio da sociedade. “Quando há consonância entre o que decidimos e o que a sociedade quer, saímos aplaudidos. Senão, somos execrados”, disse o ministro. Para ele, o período de convenções, que começou hoje, já faz parte do processo eleitoral.
A decisão do tribunal, no entanto, não coloca um ponto final sobre a validade da lei, pois a constitucionalidade da norma ainda pode ser questionada no Supremo Tribunal Federal (STF).
O principal argumento dos contrários à Ficha Limpa é que os cidadãos não podem ter seus direitos tolhidos antes de uma sentença final. De acordo com a lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no último dia 4, um político se torna inelegível se for condenado por um órgão colegiado de magistrados, mesmo quando couber recurso.
As instituições que têm prerrogativa para levar o assunto ao Supremo, como a Ordem dos Advogados do Brasil e o Ministério Público, já sinalizaram que não pretendem provocar o TSE sobre a Lei da Ficha Limpa. Porém, ainda há chance de o assunto chegar ao STF por meio de um caso concreto. “Se alguém se sentir prejudicado pela lei e levar o assunto ao Supremo, usando a presunção de inocência como argumento de defesa, há chance de o Tribunal derrubar essa determinação”, disse Erick Pereira, especialista em direito eleitoral da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ( PUC-SP).
A jurisprudência do STF indica que a presunção de inocência é, de fato, um argumento forte para os ministros. Em 2008, o Supremo respondeu negativamente à ação ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros que pretendia dar a juízes eleitorais a prerrogativa de barrar a candidatura dos políticos “ficha suja”.
“A presunção da inocência, legitimada pela ideia democrática, tem prevalecido, ao longo de seu virtuoso itinerário histórico, no contexto das sociedades civilizadas, como valor fundamental e exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana”, disse à época o ministro Celso de Mello, relator da ação, em voto acompanhado por mais oito ministros.
O advogado Eduardo Nobre acredita que não se pode remediar a falta de ética na política com a supressão de garantias fundamentais, como a presunção de inocência. “Claro que essa lei passou dessa forma porque a sociedade estava clamando por isso. Foi uma resposta do Legislativo à sociedade, por motivos mais nobres ou menos nobres”, afirmou.
Outros pontos que ainda causam polêmica são a abrangência e a retroatividade da lei. Há dúvidas se a Ficha Limpa se aplica aos já condenados ou aos que ainda serão, e também se penas já aplicadas podem ser alteradas com a nova lei. Uma consulta sobre essas questões foi protocolada pelo deputado federal Ilderlei Cordeiro (PPS-AC), mas ainda não há previsão de ir a plenário.
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