sexta-feira, 22 de outubro de 2010

226) Direita ou esquerda? Por Paulo Ghiraldelli.


Apenas por publicar. Quis fazer d'O Arqueiro Prudente algo de natureza plural. Não concordo com Ghiraldelli em muitos pontos, e não é o caso que concorde com ele em todos os pontos apresentados neste texto. Mas concordo, certamente, num ponto: o brasileiro está ávido por um ambiente de prosperidade possível, somente, numa economia dinâmica de livre-mercado. Todavia, dar as condições políticas para isso está sendo nosso grande problema...

Vinícius Portella

Porto Alegre,
22 0420 out 2010.

Direita ou esquerda?

Tuesday, January 26, 2010
By Paulo Ghiraldelli
Direita ou esquerda? Há quem diga que nem uma nem outra posição é válida agora. Todavia, essa posição para além da divisão clássica não existe. As pessoas se comportam de determinado modo na política e, enfim, isso é facilmente identificável como direita e esquerda, bem mais hoje do que há dez anos.
A direita e a esquerda democráticas respondem a ideais postos na Revolução Francesa, os de igualdade, liberdade e fraternidade. Ambos concordam em tese com a fraternidade, mas divergem sobre igualdade e liberdade. Na tradição européia, que ainda é a nossa, apesar de nossa crescente tendência ao bipartidarismo que lembra os Estados Unidos, a direita diz que a igualdade que a esquerda prega precisa demais da ação do Estado e, por isso, vai terminar por sufocar as liberdades individuais. A esquerda retruca que a liberdade que a direita quer é retórica, pois ninguém consegue ser realmente livre em uma sociedade em que a distância social é excessiva.
Até pouco tempo, os Estados Unidos tinham uma tradição diferente. A esquerda tendia a falar menos de igualdade e mais de liberdade, pois entendia que a ação do Estado sempre seria pouco aconselhável, algo no sentido de forçar o cidadão a situações pouco confortáveis. Com a crise econômica que Obama agora busca administrar, também nos Estados Unidos a esquerda começa a falar mais em igualdade, ainda que lá, diferente daqui, a intervenção do Estado na vida individual seja bem menos agradável aos olhos do americano médio, seja ele radical ou conservador.
No Brasil atual, nossa direita política não é fascista. Por sua vez, nossa esquerda atual, mesmo que possa aparecer aqui e ali ligada ao comunismo, não faz nenhuma defesa da “ditadura do proletariado”. O partido comunista e outras agremiações do tipo, fora ou dentro do PT, atuam como partidos social-democratas, às vezes até de modo mais tímido do que foi a social democracia no passado. E o PT atua aquém da social democracia até, vivendo mesmo de um esquerdismo do tipo do “Segundo Vargas”, generosamente assistencialista. O termo “direita”, que havia se tornado menos pejorativo ao final dos anos 90, agora voltou a não ser mais querido. Todos se dizem ou democratas ou de esquerda. Isso é retórico, mas mostra que ao menos no campo semântico, a Queda do Muro e o fim da URSS foram coisas distantes, vistas por nós pela televisão, sem grandes marcas históricas em nossa mentalidade política média.
Todavia, quando o debate tende a ficar ideologizado, ao menos nas camadas mais escolarizadas que a imprensa tende a ouvir demais, acusações esteriotipadas reaparecem. Reacendem-se os monopólios. A esquerda quer ter o monopólio dos pobres, ou seja, o direito à defesa da igualdade. Faz isso, não raro, se esquecendo da liberdade. A direita quer ter o monopólio da causa da liberdade quase que naturalmente, mas, infelizmente, a coloca de lado se, por um acaso, a defesa da igualdade comece a radicalizar. Nesse caso, a direita recrudesce e insiste que a esquerda vai apelar para o totalitarismo mais cedo o mais tarde. A esquerda reage e diz que o descompromisso da direita com os pobres a coloca desdenhosa com a justiça social e, enfim, também com os avanços da legislação que protege direito e liberdade de  minorias. Assim, na conta da esquerda, a defesa da liberdade feita pela direita não seria senão o da liberdade de imprensa – a “imprensa burguesa” ou, como agora se diz, a “o falatório midiático superficial”.
A esquerda no Brasil é Lula. A direita é a Veja. Ideologicamente, o resto é penduricalho. A direita no Brasil vem a galope mais pela imprensa do que propriamente pelos os grupos políticos que estariam na oposição ao Lula, e a reação de esquerda se faz também nesse plano. Em outras palavras, grupos como o reunido pela Veja criam um pandemônio ideológico muito mais acirrado do que os políticos mais proeminentes do PSDB e DEM, de um lado, e do PT e aliados, de outro, poderiam querer. A classe média escolarizada tende a acompanhar muito mais a mídia do que propriamente os políticos. Estes são mais pragmáticos. Sabem que uma aposta no voto ideológico nunca é coisa boa. Mas, às vezes, se empolgam com a mídia e terminam por, também no parlamento, deixar de lado a atitude corretamente pragmática e enveredar por discursos ideológicos.
Assim, às vezes assistimos debates que já deveriam ter se encerrado há muito. Um senador do PSDB vai à tribuna para falar que Cuba é uma ditadura. Uma novidade fantástica! Depois volta para um discurso longo e inútil sobre o quanto Chávez quer escravizar o povo venezuelano, e aproveita para concluir com a bobagem de que isso seria o mesmo que Lula gostaria de realizar no Brasil. Essas análises descabeladas são frutos de ideologização em excesso. Discursos assim são anacrônicos e acabam soando mais ridículos que os do próprio Chávez, e olha lá que este é habilidoso na arte de falar asneiras.
Chávez vai mal das pernas agora, mas se fosse bem, talvez pudéssemos assistir algum tolo da esquerda, do PT ou coisa parecida, morder a isca do PSDB e ir discursar em favor de regimes fechados ou, então, ficar enumerando conquistas sociais de duvidosa validade de Cuba ou de um futuro que nunca chega, na Bolívia.
Esses discursos ideológicos são tolos. Os políticos mais inteligentes são aqueles que percebem que a ideologização discursiva é ruim. O brasileiro precisa de mais igualdade. Mas nunca irá deixar isso ocorrer sem liberdade. Nossa índole não é a de quem topa a adoção de regimes fechados. Tanto isso é verdade que nosso regime militar nunca conseguiu eliminar eleições ou governar sem algum tipo de parlamento. A política nunca desapareceu de vez entre 1964 e 1985. Felizmente, agora, ela está a todo vapor. Ideologizá-la em demasia, a ponto de se deixar de lado necessidades prementes de liberdade e igualdade articuladas a feitos reais, concretos, que melhorem nossas vidas, é uma grande tolice dos políticos. É bom que eles leiam menos a Veja e não dêem ouvidos para marchinhas de rua como as do pré-64, e isso nos dois sentidos, pois esse recado vale tanto para a esquerda quanto para a direita.
O brasileiro quer, afinal, duas coisas. Quer a estabilidade da moeda de FHC. Quer o aquecimento do mercado e a capacidade de compra ampliada de Lula. Isso é igualdade e liberdade do brasileiro. E ele está certo, pois é a participação no mercado e o consumo que trazem a fraternidade. Foi assim que o capitalismo civilizou relações, ainda que, em determinados momentos, tenha colocado todo o mundo em guerra.

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