Por: Agência de Notícias
Data: 05/07/2010 Hora: 08:54
A campanha eleitoral começa oficialmente amanhã. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, a cientista política Maria Izabel Noll examina o cenário para a disputa pelo governo gaúcho. Para a especialista, Yeda Crusius (PSDB), José Fogaça (PMDB) e Tarso Genro (PT) não terão ganhos se apostarem em uma campanha retrospectiva. “Todos já foram governo, estão na mesma situação”, avalia. Segundo ela, devem tentar apresentar novidades para a condução do Executivo estadual.
A professora da Ufrgs diz ainda que existe a tendência de polarização entre PT e PMDB. Apesar disso, sustenta que a candidatura de Yeda não pode ser desconsiderada, principalmente depois de confirmar a coligação com o PP. “Yeda não é carta fora do baralho. O PP é muito forte no Interior.”
Por tudo isso, Maria Izabel acredita que a eleição será disputada. Para Fogaça o desafio é consolidar sua presença entre os eleitores de centro, ampliando sua participação junto à esquerda. Tarso, ao contrário, precisa garantir os votos da esquerda e tentar recuperar uma fatia de eleitores ao centro do espectro político. “O PT rompeu com a classe média, com o setor do funcionalismo público, que era sua base de apoio, e isso teve um custo muito alto. O que aconteceu é que perdeu esse centro e quem o ocupou foi o PMDB.”
Sobre o cenário nacional, entende que Dilma Rousseff (PT) leva vantagem devido ao fato de o eleitor tender a adotar um voto conservador. Para a especialista, José Serra (PSDB) ainda não elaborou sua estratégia de campanha, e o discurso ainda está sem foco.
Jornal do Comércio – Qual é sua avaliação do cenário para a disputa ao Palácio Piratini?
Maria Izabel Noll – Tarso, Yeda e Fogaça são as três candidaturas mais importantes e de alguma maneira já estavam previstas. O quadro aqui no Rio Grande do Sul conta com uma questão importante que é a partidária. Isso é uma característica da política gaúcha, mas a ausência de estrutura partidária é uma dificuldade para o candidato. Nesse sentido, a aliança com o PP foi fundamental para a candidatura à reeleição de Yeda. Após quatro anos de governo, o PSDB é um partido que não decolou no Estado, é uma estrutura pequena. Mas hoje Yeda não é carta fora do baralho. O PP é muito forte no Interior.
A minha interpretação é que tanto 2004 na prefeitura da Capital quanto 2006 no governo do Estado foram eleições de baixar a poeira. Mas, em 2008 para a prefeitura, não tinha mais isso. Não tinha mais Fogaça paz e amor. Em 2010 também não vai ter paz e amor.
JC – Haverá polarização?
Maria Izabel – De alguma forma, vai se dar entre Fogaça e Tarso, pois se Yeda vier com o mesmo discurso da eleição passada, não emplaca. Seu trunfo é o equilíbrio das contas do Estado, e agora deve dizer que está pronta para investir. Não vai fazer nada retrospectivo, mas vai investir num voto prospectivo: “Arrumamos a casa, vamos fazer”. Tarso está centrado demais no voto retrospectivo, que não sei se é uma boa. O voto retrospectivo para a prefeitura até é útil, mas foi mal aproveitado na eleição passada. E, para o governo do Estado é difícil, pois o governo Olívio Dutra (PT) não foi unanimidade. E investir num voto retrospectivo para recuperar um setor é complicado. Olívio deixou o governo há quase dez anos. A memória política não existe. É preciso apontar para frente. Quem souber resolver essa equação tem chance de ir para o segundo turno.
JC – Teremos uma campanha prospectiva.
Maria Izabel – Se eu fosse candidato, apostaria. Temos três nomes (ao Piratini) que, a essas alturas, não vão ter muito ganho em fazer campanha retrospectiva. Todos já foram governo, estão na mesma situação. Yeda corre na frente, porque está lançando um programa atrás do outro. Mas tem as limitações dos partidos, tanto o dela, o PSDB, quanto o PP, que é forte no Interior, mas não se coloca nas grandes cidades. É isso que faz o jogo ser equilibrado. Ao mesmo tempo, o PMDB tem uma grande estrutura partidária no Estado e realmente distribuída. O PT tem grandes prefeituras, mas enfrenta restrições. O jogo de xadrez está montado.
JC – Como as forças políticas estão distribuídas e de que forma se movimentarão?
Maria Izabel – No Rio Grande do Sul, tem um espectro bastante largo. (Antonio) Britto empurrou o PMDB do centro para a direita. Fogaça retomou o centro, empurrou para a esquerda e ocupou muito do espaço que era do PT. Estamos numa disputa muito grande nesta eleição. O PT chegou ao centro quando conseguiu a classe média, no governo de Olívio e Raul Pont (na prefeitura de Porto Alegre). O que aconteceu é que perdeu esse centro e quem o ocupou foi o PMDB. Em ano eleitoral, o partido que vai estar num bom lugar de fato é o PMDB. Mas cometeu um erro quando abriu a porteira para que esse eleitorado de centro e identificado com o PMDB votasse em Yeda. Agora, terá que empurrar Yeda para a direita. Ela, não tendo o DEM, que é bem à direita, fica melhor posicionada e ainda morde o centro. A lógica do PT é a de que Tarso tem que caminhar em direção ao centro. O PMDB vai ter que afastá-lo para a esquerda e Yeda para a direita. Dependendo de como vai se dar o empurra-empurra dessas fronteiras, teremos o vencedor.
JC – Considerando a disputa nacional, o PSDB normalmente faz mais votos que o PT.
Maria Izabel - É um fenômeno interessante porque o Rio Grande do Sul tem sido o estado preferencial de José Serra. Agora, é uma escolha que não tem uma identificação partidária. Não vamos dizer que o PSDB é um partido que não cresceu, mas não houve, por exemplo, o que aconteceu no período em que o Pedro Simon foi governador. O PMDB se expandiu por todo o Interior. Ou depois, no governo Olívio. O PT cresceu no Interior também. Yeda não expandiu o seu partido, então, sua candidatura dependia dessa aliança com o PP.
JC - Persiste o antipetismo?
Maria Izabel - É uma coisa muito específica no Rio Grande do Sul, que beneficia Serra, assim como foi na candidatura (Geraldo) Alckmin (PSDB), na eleição presidencial passada. Os dados que analisei referentes à eleição de 2008 em Porto Alegre mostram que o PT rompeu com a classe média, com o setor do funcionalismo público, que era sua base de apoio, e isso teve um custo muito alto. Perdeu em setores médios importantes para o PMDB e P-Sol. Esse rompimento também aconteceu com os movimentos populares, principalmente em torno do Orçamento Participativo. Então, recompor é uma tarefa complicada neste pleito.
JC – Em 2004 já se rompeu a série de reeleições do PT na prefeitura da Capital.
Maria Izabel - O PT vem perdendo eleitorado. Ele expande por uns lados, pode fazer uma boa votação na Região Metropolitana, mas em Porto Alegre talvez já não seja a mesma coisa que foi há quatro anos, quando o Olívio fez uma votação superior a Yeda. Fogaça fará uma boa votação em Porto Alegre. E fez em 2008 uma excelente votação. Mas essas três candidaturas têm interrogações: primeiro, como fica a votação polarizada? Quer dizer, a tendência à polarização, que tem sido, há muitos anos, PT e PMDB. Sempre se interpretou a vitória de Yeda em 2006 como um desvio, que teria sido provocado pelo PMDB com aquele famoso cálculo errado que desviou os votos do (Germano) Rigotto (PMDB) e elegeu Yeda. Só que essa figura Yeda, criada pelo PMDB, se autonomizou. A essas alturas, o PMDB não é mais o elemento forte da coligação e, consequentemente, vão ter que enfrentar a criação que fizeram quatro anos atrás. Vão enfrentar a criatura, que tem algo contra ela, que é a tradição da não reeleição.
JC – Quais são as projeções para um segundo turno?
Maria Izabel - Ao que tudo indica, o PT passa o primeiro turno, as pesquisas de opinião indicam isso. O complicador é o fato de ter um eleitorado que está em torno dos 20%, podendo chegar aos 35%. Mas, observando os dados, vemos uma limitação. Em 1998, quando Olívio foi eleito, os 7% que fizerem a diferença vieram do PDT, que tinha Emília Fernandes como candidata. Depois dessa eleição, nunca mais conseguiram se eleger para o governo estadual. E a campanha aparentemente não deslanchou, vai ter um elemento que de alguma maneira ajuda o PMDB, que é o fato de ter o vice-presidente da Dilma, Michel Temer. Por um lado, Tarso se beneficia, pois Dilma está indo bem e a tendência é ela se fortalecer. Ninguém está querendo mudar muita coisa. Mesmo que Serra venha e diga: “Vou fazer mais”. Cada dia que passa, penso que o eleitor vota com o bolso. Serra enfrenta mais dificuldades. Além da definição do vice ter sido demorada, veio de um partido complicado (DEM) e é uma figura absolutamente desconhecida.
JC – Que postura deve adotar a candidatura de Serra?
Maria Izabel - A impressão que dá, no caso do Serra, é que precocemente houve uma avaliação de que não há como competir. A campanha de Serra está sem norte. Por quinze dias a campanha é radical, nos outros é conciliatória, reconhecendo o que o governo Lula fez. Depois, retorna a estratégia de desqualificar o opositor. Não há um discurso linear. É uma campanha sem marqueteiro, em última análise.
JC – Isso dificulta o debate?
Maria Izabel – A estratégia caótica da oposição deve dificultar o debate político. De alguma forma isso é decorrente do desempenho da oposição nesse segundo governo Lula. A oposição nunca chegou à conclusão sobre o seu papel. Ela poderia ter feito uma oposição crítica ou a famosa oposição construtiva. Mas ficou refém de um discurso vazio. Ao mesmo tempo denunciava, como a história de que a Dilma teria encomendado aquele dossiê. É um negócio desestruturado. De repente a oposição jogou para a imprensa o papel que deveria exercer. Ou o partido faz seriamente uma denúncia e tem credibilidade para isso, ou o denuncismo cai na banalidade.
JC – E como o cenário nacional repercute no Estado?
Maria Izabel - Se Dilma ganhar no primeiro turno, pode favorecer o PT. Por outro lado, ela já vai estar montando o ministério. À medida que vai fazendo isso, e visivelmente o nosso presidencialismo de coalizão vai exigir os acertos, provavelmente ela não possa subir em palanque. Já há uma tendência de que isso não aconteça nem no primeiro turno. Tanto o PMDB quanto o PT gaúchos estão na expectativa, dependendo muito de como o terceiro elemento, que é Yeda, vai se posicionar. Nem o PMDB vai poder bater muito, pois pode precisar se apoiar em Yeda num segundo momento, nem Yeda poderá ser radical demais.
JC – Neste ano as articulações ao Senado foram intensas.
Maria Izabel – Está acontecendo algo meio novo: coligação para o Senado. Antigamente os partidos tinham dois candidatos, faziam a campanha como manda o figurino. Agora virou moeda de troca. Já vi não só as pessoas falarem nisso, mas não duvido que em alguns lugares as próprias campanhas sejam feitas assim, chapa, venda casada: (Paulo) Paim (PT) e Ana Amélia (Lemos, PP), Rigotto e Ana Amélia. As candidaturas para o Senado entram no grande jogo das coligações. Não está mais sendo uma campanha específica.
JC – Fogaça vai só com Rigotto. Yeda vai só com a Ana Amélia.
Tarso vai com Paim e a Abgail Pereira (PCdoB).
Maria Izabel – Ficou um cenário interessante. Isso leva a uma dimensão impressionante de acirramento, polarização para dentro do jogo político. Porque o Senado se alinhou com as coligações das candidaturas a governador.
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Perfil
Maria Izabel Saraiva Noll é natural de Porto Alegre. Graduada em História pela Ufrgs, fez mestrado em Ciência Política na mesma universidade e doutorado na França, na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris. Foi ainda visiting scolar no Center for Latin American Studies na Universidade de Stanford. Já fez trabalhos sobre a política no Rio Grande do Sul, o modelo do Estado Novo e dedicou a maior parte de sua produção acadêmica ao estudo dos partidos políticos, democracia, Legislativo e eleições. Atualmente, tem pesquisado políticas públicas municipais. É coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Documentação Política Rio-grandense (Nupergs). Leciona na Ufrgs desde 1976. Já foi chefe do departamento de Ciência Política e coordenadora de pós-graduação em Ciência Política da Ufrgs.
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