Um amigo desses pelos quais lamentamos o afastamento imposto pela vida pediu-me uma opinião sobre um texto que publicara em seu blog. Eu gostei do lá exposto. No entanto, não vejo como algo negativo o fato de nossas eleições serem decididas em primeiro turno. Em verdade, tudo dentro das normas democráticas. Acredito, isso sim, que ele acerte em se referir ao esvaziamento de nosso debate político. Estas eleições tem-nos provado esse esvaziamento e o prosseguimento da tendência da discussão por meio de slogans. Não teria como apreciar a dimensão econômica do discurso de Marina; todavia, há muito tenho a impressão de que tanto Dilma quanto Serra padecem desse fetichismo cepalino por "crescimento econômico" ao qual se refere meu amigo Diego Rodrigues. Lamento, entretanto, não possuirmos candidatos nem propostas que se proponham a solucionar nossos problemas crônicos orientadas a um momento de nova inflexão tecnológica e de crescente integração internacional. Por fim, recomendo a leitura dos demais textos do Blog do Diego Rodrigues.
Vinícius Portella
Porto Alegre,
11 0139 set 2010.
"(...) como economista, vejo o discurso de Marina muito mais moderno que o dos candidatos que lideram as pesquisas. "
As mais recentes pesquisas de opinião de qualquer instituto têm mostrado a forte ascensão da candidata do PT à presidência da república, Dilma Roussef, num quadro já tratado por alguns especialistas como irreversível. Se a tendência se confirmar, a candidata do presidente Lula deve se eleger já no primeiro turno, no próximo outubro.
Sei que a ida a um eventual segundo turno tende a ser nada mais que o adiamento em quinze dias da eleição de Dilma, já que, mesmo lá, o quadro é muito favorável à candidata. Mas a não ida a um segundo turno nas eleições presidenciais me perturba: vejo isso como o esvaziamento do debate político em prol das estratégias de propaganda, ou, mais especificamente, em prol da simples capacidade de transferir voto que o presidente Lula tem atualmente. Na minha opinião, a ausência de um segundo turno é ruim para o Brasil independentemente de qualquer coisa.
Que fique claro também que pelo menos parte do quadro atual se deve, penso, à incompetência surpreendente que rodeou o PSDB nesses últimos meses. Lembremos que há um ano a diferença de vinte pontos percentuais de vantagem nas pesquisas de opinião pertenciam ao candidato José Serra, mesmo muito antes de sua indicação como candidato. A briga de egos entre o então governador de São Paulo e Aécio Neves, além da inexistência de um projeto claro de oposição no país ao longo dos oito anos de governo Lula, contribuiu para que agora esteja absurdamente perdido o que antes estava praticamente ganho.
Sou só um economista, e minha visão do mundo, portanto, é estreita. Como tal, porém, vejo as candidaturas de Dilma Rousseff e José Serra como muito parecidas, apesar das farpas trocadas com mais afinco ocorrer exatamente entre esses dois candidatos. Não sei como seria um governo Rousseff, mas até arrisco a dizer que as políticas de Serra seriam mais (o que em economia eu classificaria como) à esquerda que foram as de Lula, particularmente as do primeiro mandato.
Dilma e Serra parecem ainda trazer consigo aquela tradição cepalina de fetiche por crescimento econômico, o vendo como fim único do desenvolvimento, feito na base de demanda puxada pelo Estado, e a idéia anacrônica de “projeto nacional”. Trata-se do pensamento trazido pelo governo Lula, e simbolizado pelo incremento do papel das estatais, do crescimento ainda maior do governo, e da mão com quatro dedos do presidente estampada no macacão da Petrobrás a pretexto do pré-sal, ao estilo da campanha “O Petróleo é Nosso”.
O que me preocupa mais no Brasil atual é exatamente essa euforia esquizofrênica que estamos sentindo. Vivemos a época da retomada do crescimento econômico, particularmente para as camadas mais pobres da população, da Copa no Brasil, das Olimpíadas, do petróleo. Tentamos salvar o mundo do Irã nos utilizando da nossa tradição pacifista. “Lula é o cara”, de acordo com Obama, e é o líder mais influente do mundo, de acordo com a Times. Nada me tira da cabeça que se tivéssemos ganho a Copa do Mundo desse ano, Dilma teria uns 80% de intenção de voto. Tornamo-nos nacionalistas, falar mal do país é feio: é “ame-o, ou deixe-o”. Nem Serra pode falar mal, pois, se o fizer, perderá votos. Enfim, estamos com aquele sentimento de que falta muito pouco para nos tornarmos a “potência” em que Lula acredita, algo, porém, que já vimos décadas atrás com governos como o de JK, a quem, aliás, Lula gosta de se comparar, e cujos resultados conhecemos.
Pois quem corre por fora nessa empreitada, e é deveras a novidade no discurso político brasileiro, é a candidata Marina Silva, do PV. Nessa eleição, meu voto é dela. Marina Silva é acreana, sobreviveu a sérios problemas de saúde durante sua infância, se alfabetizou depois dos quinze anos graças ao Mobral (programa de alfabetização tardia da época dos governos militares), conseguiu se graduar em História pela Universidade Federal do Acre, foi colega de luta e amiga pessoal do ativista pela Amazônia assassinado Chico Mendes, chegou a senadora e ministra, e poucas vezes a vi se utilizar dessa maravilhosa biografia para arrecadar votos, como o fazem muitos outros candidatos, com muito menos a apresentar.
Além disso, e novamente como economista, vejo o discurso de Marina muito mais moderno que o dos candidatos que lideram as pesquisas. Marina vê o crescimento econômico como um elemento a mais do desenvolvimento de um país, que deve ser composto evidentemente por outros elementos que constituem a qualidade de vida de uma sociedade, numa idéia coerente com a que se tem acerca desenvolvimento na moderna literatura econômica. E ela não se refere somente às questões ambientais, como o eleitor de caricaturas (aquele que confunde absurdamente a Marina Silva com a Heloisa Helena, por exemplo) pode imaginar, mas também ao papel do mercado nesse processo, do Estado, e das instituições, como a própria democracia. Quanto a isso, aliás, Marina parece superar o tom ranzinza que ronda a eleição atual, do embate do “bem” contra o “mal”, compreendendo que mesmo isso faz parte da idéia de desenvolvimento de uma sociedade.
Claro que nem tudo são flores. Por exemplo, não sei quem comporia um eventual governo Marina Silva, não conheço os quadros do PV, e, sinceramente, acho que este não teria condições de montar um governo (só conheço o economista Eduardo Giannetti da Fonseca, que tem orientado Marina nas questões econômicas, e quem seguramente tem influenciado suas idéias acerca de desenvolvimento econômico). Já ouvi falar também de algumas alianças espúrias desse partido nas eleições para os governos de alguns estados. O que realmente me preocupa em Marina Silva, no entanto, é o fato dela ser evangélica, e como isso afetará o tratamento de questões como drogas, aborto e casamento homossexual, que, para mim, compõem invariavelmente uma agenda de desenvolvimento. No entanto, não pensemos que os demais candidatos tratarão disso com mais propriedade. Pelo contrário, seus perfis, mesmo o do PT, com suas alianças com bases eclesiásticas, não parecem tendentes a enfrentar as concepções morais de um dos povos mais conservadores do planeta, como o nosso. Marina, por sua vez, já declarou e explicou a separação que faz de sua fé das questões de Estado, noutra demonstração da maturidade de sua visão de desenvolvimento e democracia.
Porém, sei que a eleição de Marina para presidenta é praticamente impossível e, no fundo, penso também se essa é a melhor hora para um eventual governo seu. No entanto, se eu não votasse em Dilma em virtude de alguma rejeição a ela, a Lula ou ao PT, votaria em Marina, e não em Serra. Num eventual segundo turno, Marina tem muito mais chances de atrair algum eleitor inseguro de Dilma que Serra, contanto com um fenômeno que já elegeu Rigotto e Yeda para o governo do Rio Grande do Sul como “azarões” em virtude da rejeição ao PT naquele estado, como o é Marina nessa eleição à presidência. Se já acho o segundo turno importante para o país, ficaria muito mais satisfeito em ver uma candidata com a história e idéias de Marina Silva lá.
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